Brü - BRÜ
Oct 10, 2024 2:39:15 GMT
Post by Ramprozz on Oct 10, 2024 2:39:15 GMT
Nota: 100
Escrita por: Karine Cardoso
A cantora brasileira BRU lança seu primeiro álbum de estúdio e apresenta ao público uma carta aberta que revela suas diversas facetas como ser humano. É um álbum rico em referências e em ritmos musicais que, embora distintos, formam um todo harmônico e conciso. BRU nos entrega faixas sensuais e divertidas, enquanto, por outro lado, revela seu lado mais frágil e as inseguranças que a acompanham. Não é um disco que deve ser avaliado puramente em termos técnicos, que, por sinal, são esplendorosos; o sentimento é o que prevalece nos pouco mais de trinta minutos de duração do trabalho da artista.
O álbum começa com um dos maiores triunfos do disco, "Noite de Caça". A faixa é completa em tudo o que se propõe: letra, instrumental e vocais. BRU se apresenta como uma caçadora ávida por atingir o ápice de seu desejo. A canção mescla elementos pop, eletrônicos e funk em uma fusão harmônica e digna de elogios. As escolhas das músicas de abertura e encerramento de um disco são, para nós, dois pilares que demonstram para onde o artista quer nos levar e o destino ao qual chegamos no fim da jornada. Nesta primeira faixa, a artista demonstra a facilidade com que se move entre diferentes ritmos, e a letra, ousada e sensual, adiciona um toque a mais de ousadia ao que a artista propõe a fazer. Um início perfeito.
A passagem entre a primeira e a segunda faixa é simples, segura e perfeita. Embora possa haver um estranhamento inicial, isso se desfaz com a reprodução da canção. Há uma continuidade inegável. Não há uma transição da faixa anterior para a seguinte, o que poderia ser um ponto negativo, mas não aqui. A excelência de ambas as faixas torna a escuta fluida e agradável. A parceria entre BRU e Plastique é, no mínimo, inusitada, mas demonstra a versatilidade de ambas as artistas. A narrativa lírica da faixa explora os meandros de um amor que pode não parecer saudável, mas que satisfaz a intérprete. Plastique abandona o ar soturno de seus últimos lançamentos para abraçar o lado pop de BRU, que, por sua vez, nos faz refletir em seus versos finais sobre as complexidades do sentimento e da ação que é amar.
A terceira faixa, "Dizer Sim", traz um contraponto interessante em relação às duas faixas anteriores: BRU continua apaixonada, mas aqui ela deixa sua armadura de lado e se expõe como uma garota frágil e apaixonada. Sim, todos sabemos a força dessa mulher poderosa, mas por trás de tudo isso, ainda há uma garota que sonha com amores de verão. O ritmo da canção é envolvente e, juntamente à simplicidade da letra, faz com que possamos nos entregar sem pensar duas vezes ao som da artista. É espetacular a forma como a cantora mescla sons mais universais com aqueles oriundos de sua região.
"Louca" é o ponto mais baixo do disco para nós. Não é uma faixa ruim, pelo contrário. Mas, considerando o conjunto do trabalho da brasileira, não parece fazer sentido. Há uma certa continuidade em relação à faixa anterior, que é a entrega de uma BRU menina-mulher. E mesmo que seja a parte menos atrativa do disco, isso não chega a atrapalhar a experiência geral do trabalho.
"Menino do Rio" é deliciosa! BRU nos transporta a uma atmosfera carioca e boêmia que é encantadora. A junção do samba com elementos pop é mais que agradável: é algo de que precisávamos, mas não sabíamos. Incorporando na letra elementos da fantasia e da realidade, é uma canção leve que traz outro elemento presente no saber-fazer artístico da cantora: a facilidade com que demonstra seus sentimentos. O tesão continua, mas é representado por diferentes referências. É original. É BRU.
"De Onde Vinha" é inquietante. Nos faz questionar a nós mesmos e tudo o que acreditamos ou vemos a respeito de indivíduos marginalizados em uma sociedade desigual. A BRU cantora é também uma mulher negra, transexual e de origem pobre. As intersecções que atravessam esse ser a tornam complexa, assim como sua história. Ela se perguntava "de onde vinha?" e nós deveríamos nos perguntar "onde você estava?". A artista é um sopro de renovação em um cenário musical majoritariamente branco e cisgênero. A letra é incômoda. Não é apenas uma música, é um discurso empoderado contra a marginalização de mulheres transexuais e de mulheres negras. O impacto é poderoso: nos faz questionar aquilo que acreditamos ser o ideal. E o que é o ideal? Que mais artistas possam ter sua voz ouvida e respeitada e que, assim como BRU, alcancem aquilo que lhes é de direito. Hoje, ela com certeza sabe de onde vem e as dificuldades que a trouxeram até aqui, mas isso não é suficiente para defini-la, muito pelo contrário. A história está em movimento e a artista mostra que não vai olhar sua história como espectadora: será sujeito.
E por falar em história, a cantora nos traz um pouco de suas raízes – literalmente – em "Um Pé de Jambu Cresce em Mim Como Asas". O rock que nos é apresentado faz sentido com a versatilidade da artista: ela consegue flutuar perfeitamente entre diferentes ritmos e não se perde quando o faz. Se na música anterior foi possível enxergar a fragilidade inerente da artista, nesta nos é apresentado o seu porto seguro. Ela sabe de onde vem e não há nada que possa pará-la. Mas, talvez, existam obstáculos a serem superados.
"Tanto Faz" é a antepenúltima faixa do disco, e vemos que, ao lado da força da artista, reside também uma mulher fragilizada. A força com que traz as vivências de uma mulher negra é, novamente, inquietante. Não é fácil para nós, pessoas cis, apreender o que é estar na pele de BRU ou de outras pessoas transexuais. O estranho é familiarizado quando, através de suas letras e de sua voz, ela traduz todo o seu sentimento e, enfim, podemos conhecê-la em sua integralidade. Aqui, em uma música pop e leve, com a presença de uma guitarra em seu ápice, sua voz rasga o véu da tristeza e o abre para que o sentimento seja acolhido pela força do público. Esperamos que BRU saiba que já não está mais sozinha.
A solidão é o tema principal da penúltima faixa. Em "Nua", BRU reconhece que muitas de suas relações são superficiais e carecem de bases sólidas. Ela tem muito mais a oferecer do que o seu próprio corpo, mas sente que não consegue ir além. Isso reflete, talvez, as vivências exploradas em "De Onde Vinha" e em "Tanto Faz". Aliás, o trio de canções é extremamente emocionante. "Nua", por sua vez, tem dois momentos: um mais sóbrio e emocional e outro mais enérgico. Esta garota realmente sabe como conquistar alguém. Despida de amarras e de armaduras, ela é muito mais que um corpo.
Há algo de contraditório na faixa que encerra o álbum. É comum que discos sejam fechados com algo alegre ou que represente a superação de uma situação criada e contada ao longo de um trabalho. A artista rompe com essa tradição e deixa entreaberta a possibilidade de uma continuação de sua história. Não há fim. A vida é circular, assim como as alegrias e as tristezas. BRU e Elliot formam uma dupla incrível. A letra reflete bem a dor de um coração machucado, isolado nas profundezas do desprezo. A composição é, de longe, uma das melhores do disco. As palavras se unem e formam um sentimento; não são mais meras junções de letras com significados pré-definidos e imóveis.
Nota: 90
Escrita por: Samuel Vaz Pimentel
Sem dúvida nenhuma, não é exagero dizer que Brü, com seu auto intitulado álbum de estreia reinventou o cenário musical latino com uma maestria imensa. Em todos os aspectos possíveis, a participante da primeira temporada do Showdown mostra um crescimento impressionante, que resulta num dos melhores álbuns de estreia que a Ghosted já teve o prazer de avaliar.
Começando do começo, o álbum marca a mudança de nome artístico da cantora, deixando "Bruninha Vittar" para adotar "Brü", o que por si só, já poderia nos dar a entender o que o álbum guarda: uma versão extremamente refinada e sofisticada de todo o talento e personalidade que a paraense demonstrou durante sua participação no Showdown, e tudo isso também é muito bem representado na capa do disco BRÜ.
A capa mostra Brü numa posição imponente, mostrando seu corpo e seu rosto, com um olhar impositivo e sem nenhum medo, pronta para mostrar ao mundo nos próprios termos a transformação de Bruninha em Brü. Além disso, as cores da foto estão editadas em tons de roxo e laranja, cores meio-complementares do círculo cromático, que aqui parecem representar um mapa de calor em cima do corpo da cantora, e apenas seu nome em branco, no centro, bem destacado. É definitivamente uma capa que impacta logo na primeira olhada, e representa muito bem o álbum, já que mostra como as músicas também vão chegar "com os dois pés na porta".
O álbum começa com o hit consagrado "Noite de Caça", que por si só já é uma obra muito notável do trabalho de Brü. Com acordes suaves, a música começa com elementos de pop psicodélico, como se estivesse entrando em um sonho, antes das batidas de trap entrarem no pré-refrão, junto com os sintetizadores eletrônicos, transformando a faixa numa verdadeira viagem. A letra é também um exemplo da forte personalidade de Brü como amante, que é bem explorada nas demais faixas do álbum: intensa e assertiva, brincando com a justaposição do que significa perigo na descoberta de um amor novo.
Apesar das demais músicas do álbum se distanciarem consideravelmente, da paisagem sonora estabelecida por "Noite de Caça", o single é definitivamente um bom exemplo de como abrir um álbum com uma faixa cheia de propósito, que reflete muito bem a identidade e transformação artística que vamos encontrar no resto do álbum BRÜ.
A segunda faixa é "Corazón Masoquista", em parceria com Plastique Condessa. A música injeta uma dose poderosa de pop no álbum, se destacando muito das outras faixas pela produção bem mais moderna (ao lado de "Noite de Caça"). No geral, a escolha da mistura de idiomas na faixa parece um tanto aleatória, visto que vezes ou outra é usada na carreira de Plastique como conotação em algumas das faixas com o teor “cômico-político” que ela aborda, mas aqui se misturou de forma séria no tema do romance. O conceito da letra, de um "Coração Masoquista" onde uma pessoa está tão perdidamente apaixonada é certamente interessante numa faixa com um instrumental como este, mas ao que se diz do resto da composição dos versos, é uma das faixas que não exibe muito bem a identidade de nenhuma das duas artistas. Onde em "Noite de Caça" a paixão de Brü é narrada de forma intimista e carnal, como se os sentimentos dela fossem tão intensos que é possivel sentir com as mãos, em “Corazón Masoquista” a letra se torna confusa entre "Você é meu, MAS eu não sou sua porque eu gosto de causar, MAS você tá sempre do meu lado e eu quero você, MAS eu vou ser malvada com você…", se perdendo entre causar um impacto provocativo as vezes, e parecer assumir um romance tóxico (não da forma sensual como a música se propõe) em outras. A voz de Brü no final da música, isolada, quase como se estivesse dentro da cabeça, definitivamente é uma grande finalização para a faixa.
Dentre as várias músicas de amor do disco BRÜ, a faixa "Dizer Sim" acaba ficando um pouco apagada, principalmente estando entre as duas faixas mais pop do disco (e ambas falam de amor de uma forma mais intensa). Além de poder ter sido colocada em algum outro lugar do disco, qual não estivesse sendo como uma freada brusca na sonoridade pop que o disco estava seguindo, “Dizer Sim” acaba não trazendo nada expressamente único pro disco, sendo uma versão menos aprofundada e interessante dos temas explorado na maioria das outras faixas.
A descrição inicial da faixa "Louca" é um pouco ilusória, visto que dá a entender que seria uma música onde Brü fala sobre si mesma e explora seu poder individual em relação ao amor, e todas as barreiras que ela quebra pra ser fiel a própria identidade… MAS, o sentido acaba se perdendo na letra da música. É sim sobre ser "autêntica", mas condicionada a um amor, e deixando qualquer coisa que interfira esse amor para trás. Com um instrumental "bombástico" e divertido, fazendo uma ode ao pop mais tradicional do Brasil, "Louca" tinha tudo para ser mais um dos grandes destaques do álbum, mas já beirando a metade do projeto, batendo ainda na mesma tecla dos temas, ela acaba deixando um pouco a desejar.
"Menino do Rio" ainda traz o mesmo tema das demais faixas, mas com uma inteligência diferente. O samba-pop traz uma letra inteligente, mencionando um dos maiores compositores da história brasileira, que é carioca, sendo um jeito sagaz de amarrar os temas. Definitivamente é uma boa música, trazendo um ritmo tão emblemático do Brasil, mas além deste fato, acaba sendo mais uma das músicas de amor (ou sobre se apaixonar, ou sobre paixão, ou sobre amor de verão, ou sobre se entregar…) do disco BRÜ.
Nada poderia preparar ninguém para o impacto da música que viria a seguir. "De Onde Vinha?" traz de longe a letra mais importante e meticulosamente impactante do álbum. Talvez as músicas mencionadas antes como mais "fracas" fossem uma anestesia para pegar o ouvinte completamente de surpresa quando "De Onde Vinha?" chegasse no álbum; o instrumental da musica já começa determinando o clima pesado e quase ameaçador, segundos antes de Brü vir com a língua afiada como uma faca, rasgando o verso. Não tendo sequer um verso que se repita, "De Onde Vinha?" é como uma história sombria contada por Brü, narrando e exploração de mulheres trans negras, constantemente traçando paralelos de situações atuais, como de situações que eram frequentemente retratadas na época colonial da escravatura no Brasil, denunciando explicitamente como, mesmo depois de tantos anos, a fetichização e o racismo continuam presentes a cada passo da sociedade. Sem dúvidas é uma das músicas fenomenais que foram lançadas nos últimos tempos.
Os nuances de MPB e Axé se misturando com rock deixam a música ainda mais impactante, causando uma sensação de urgência, principalmente nos momentos onde Brü repete as palavras várias vezes antes dos refrões.
A música "um pé da jambu cresce em mim como asas" FODONA. Simplesmente FODONA. O rock industrial mais agressivo chega no álbum como um soco na boca, já que mesmo sendo levemente explorado na faixa anterior, aqui chega com uma potência muito mais gritante. "um pé de jambu cresce em mim como asas" tem um impacto social e político diferente de "De Onde Vinha?", mas igualmente genial.
Aqui, Brü fala da maneira mais orgulhosa possível de suas raízes e todos os elementos que fazem ela se tornar a incrível mulher que ela é hoje, sem uma mínima glamourização, e sim, elevando o esforço suado popular abrangente que ela carrega em seu sangue. Com uma inteligência incrível, Brü consegue se descrever te forma tão absurda, como se fosse algo extraterrestre, a forma mais suprema da humanidade, mas construída puramente dos elementos marginalizados que as pessoas tendem a querer esconder. Essa faixa é absurdamente incrível, e me virou do avesso desde a primeira vez que ouvi.
Continuando com as faixas mais geniais do projeto, a próxima é "Tanto Faz". Esta começa extremamente intimista e melancólica, e dentre passos lentos e frágeis, evolui até chegar em gritos desesperados, sendo um recorte extremamente visceral do coração de Brü, e de seus sentimentos.
É fenomenal como a música chega sua metade, toda nesse ambiente calmo e triste, como uma depressão profunda, mas logo no fim do primeiro refrão, já começa a mostrar a mudança: o segundo verso começa a introduzir guitarras no fundo da música, enquanto a voz de Brü vai lentamente deixando de ser murmurada e arrastada, e se transformando em gritos emocionados de rasgar a garganta, sem medo de deixar a voz sumir, tremer e até falhar as vezes, realmente mostrando da forma mais crua como a letra de "Tanto Faz" fala de um desespero enorme e doloroso. A música termina explodindo com guitarras melancólicas, que combinam perfeitamente com a mistura de tristeza e ódio que a letra tráz.
Então, chegamos na música "Nua", outro dos singles do projeto. A música começa com um blues clássico e sensual enquanto a voz de Brü se torna arrastada, mas de um jeito diferente da música anterior; onde em “Tanto Faz” o arrasto da voz de Brü mostrava a melancolia e o desânimo, em "Nua", o arrasto é como a antecipação de um momento de prazer carnal, como se a própria Brü não pudesse cantar rápido demais para não "chegar lá" rápido demais e perder de se deliciar com os momentos.
A letra infelizmente não é um dos destaques do álbum, sendo mais uma das formas onde Brü fala sobre se apaixonar, se entregar ao amor, e enfim, mas nesta faixa, o instrumental completamente fora de série compensa este desfalque. Do meio para o fim, o instrumental da música muda, deixando os blues para trás e adotando uma guitarra elétrica e percussões bem mais marcadas, até com nuances de jazz, mas o grande momento da música esta bem no final, quando o instrumental todo para, e somente a voz de Brü fica brilhando, num verso lento, antes de um poderoso vocal que encerra a faixa com tudo.
Numa parceria um pouco aleatória, Brü escolhe uma faixa igualmente aleatória para terminar o álbum, com "Ilhados" em parceria com Elliot. O instrumental leve de R&B um pouco lento de mais é definitivamente um jeito um pouco decepcionante de terminar um álbum tão incrível como BRÜ. Mesmo depois de ouvir o disco dezenas de vezes, não consigo pensar em sequer um bom motivo para interromper a explosão das emoções que vinha acontecendo da metade do álbum para cá, e colocar uma parceria um tanto apática para encerrar tudo que foi feito. Apesar disso, essa faixa tem um dos melhores trechos líricos do álbum, quando Brü canta "É carnaval e eu só sinto as cinzas, Pois essas tintas não colorem nada", com rimas insanamente espertas que faz parecer simples e palpável um sentimento tão devastador como se sentir vazio, tentando fingir que não ama mais alguém.
No dia 3 de Agosto de 2028, a equipe da Ghosted IMG Brasil foi até a Praia de Areia Vermelha em João Pessoa, na Paraíba, para ouvir e realizar a crítica do álbum BRÜ da cantora Brü. Numa noite com pouco vento, a equipe estendeu uma lona para projetar a capa do álbum enquanto este era tocado. A experiência foi surreal de um jeito muito positivo; durante as primeiras faixas, os integrantes da equipe tiveram a impressão de ver lampejos de luzes coloridas no mar, causando uma sensação muito pacífica e acolhedora.
Essas luzes se intensificaram muito na segunda metade do álbum, fazendo a equipe querer catalogar em fotos, tão impressionados que até imaginaram que haviam descoberto uma nova espécie de algo bioluminescente fora do comum, mas de acordo com as regras da Ghosted, nenhuma mídia foi gravada durante o processo. Durante a execução do álbum, um dos integrantes da equipe usou uma lanterna ultravioleta para procurar algum fenômeno, e para a surpresa da equipe, haviam várias marcas de pés na areia que interagiam com a luz UV, repetindo padrões de um lado para o outro, como se fossem casais do outro plano dançando na areia; mas a parte mais surpreendente foi quando acidentalmente, o membro da equipe virou a lanterna para a capa no projetor, e foram vistas duas impressões digitais de mãos em cima da capa, bem acima de onde ficam os seios da cantora. As mãos sumiram logo depois.
A experiência foi quase toda pacífica, menos durante a última música; apesar de acharmos que seria bem temático ouvir "Ilhados" na praia, o projetor começou a falhar, e a lona onde a capa estava sendo projetada se desprendeu dos suportes, voando com uma brisa fria que tomou conta da praia. Por um momento, a lona parecia ter ficado presa em algo, que parecia a silhueta de uma pessoa, mas quando uma pessoa da equipe puxou a lona de volta, não havia nada lá. Depois disso, rapidamente recolhemos nosso equipamento e deixamos o local.
Sem dúvida nenhuma, BRÜ entra para a história como um dos melhores álbuns femininos de estréia, com um impacto muito grande em tudo que representa. Definitivamente, os temas do álbum podiam ser um pouco mais polidos e moldados para criar uma identidade mais potente, mas isso não tira o brilho primoroso que Brü lapidou em BRÜ.
Nota: 85
Escrita por: Pamela Niven
BRÜ tem provavelmente a estreia mais interessante e promissora dos últimos anos. Em um álbum autoentitulado, ela passeia por algumas camadas importantes da sua personalidade entre 10 músicas que brincam com as barreiras impostas pelos gêneros musicais, fazendo com que você afirme: esse não é um álbum pop, é um álbum BRÜ. Talvez "pop" seja muito pouco pra definir um disco feito esse.
Antes mesmo de pegar meus airpods e dar play em meu Apple Music, eu já estava imersa em outro universo só pela capa. Sob um filtro roxo penetrante, BRÜ é coberta por um manto de plumas que sinceramente, me remeteram a asas de anjo (ou de jambu!). Calça uma Giuseppe Zanotti e olha diretamente nos meus olhos, em uma mistura de tédio, tristeza e poder, como se estivesse me atravessando como um gavião e ao mesmo tempo debochando de mim. No meio, três letras que trazem um nome marcante e que definitivamente vamos prestar atenção: BRÜ. Esse parece esse tipo de álbum mesmo: aquele feito pra que nós, meros mortais, prestemos atenção. Quando alguém chega e impõe sua presença de forma tão singular, o que te resta é se calar e assistir ao espetáculo. Em um mundo em que tantas pessoas falam sobre tudo o tempo inteiro, sinto que BRÜ parou a linha temporal do universo, se pôs bem no meio do furacão, de peito estufado pra dizer: agora é a minha vez.
Minha sensação se confirmou assim que o disco abriu com 'Noite de Caça', hit instantâneo que traz um trap-pop futurista com sintetizadores lentos que flutuam em uma letra sensual sobre o desejo vindo de ambos os lados. O desejo foi transmitido pra mim, que precisei mesmo vestir minha lingerie bordô da Bordelle pra conseguir continuar ouvindo o álbum. Fui claramente provocada e essa sensação ficou ainda mais intensa na música seguinte, em que Plastique Condessa e BRÜ, em uma música trilingue, nos transportam para um dark room em alguma boate europeia. 'Corazón Masoquista' não é minha favorita, mas devo confessar que casou muito bem com as duas intérpretes e foi uma junção que honrou muito bem a personalidade de ambas. As duas músicas introdutórias já foram suficientes pra nos provar que BRÜ é uma mulher sexy e confiante, e ponto. Essa sensualidade circula por todo o disco, mas não são exageradas como essas duas primeiras, e ainda bem. Existem muitas camadas por trás de uma mulher confiante e nós temos essa certeza nas faixas adiante.
Acho 'Dizer Sim' um hit ignorado. Esse clima caribenho kubanacan nos tira do dark room europeu e nos traz pra energia sauna latina — o qual eu prefiro bem mais, e arrisco dizer que é bem mais original também. Tem uma melodia gostosa e uma letra portunhol bem viciante, que é o que um álbum desse pede mesmo (nunca em um tom exagerado, até porque latinos não precisam ser sempre uma eterna baila quinceañera). Veria o mesmo potencial em "Louca" se não fosse a letra repetitiva e produção um pouco datada. Sei lá, sensação de que já escutei essa música antes em outro universo alternativo...
A partir de 'Menino do Rio' o tom do álbum muda e é aqui em que as conversas sobre "álbum do ano" começam, porque foge do convencional. Em um álbum qualquer, aquelas primeiras 4 músicas iriam se repetir até o final e pronto, teríamos um álbum de verão divertidinho pra se esquecer no segundo semestre do ano. BRÜ não é uma qualquer porque tem uma bagagem interessante pra ser dita, e ela sabe disso. Foi como eu disse no início: Existem mesmo muitas camadas por trás de uma mulher confiante. Esse samba-pop rápido traz uma atmosfera refrescante e uma letra pra lá de bem escrita, trazendo um quê poetisa que ainda não tinhamos visto até aqui. Sinceramente, essa música já é pequena por duração mas se torna menor ainda quando é seguida por 'De Onde Vinha?', que toma completamente o seu espaço. Essa música é cinematográfica e as guitarras tensas palpitam junto com o seu coração a cada verso que detalha mais e mais essa história dramática e linda, trazendo uma reflexão e uma exposição muito pouco vista na indústria atual. Belissima interpretação de BRÜ que deveria lhe render uma estatueta no Grammy desse ano.
'um pé de jambu cresce em mim como asas' é daquelas que dá vontade de tatuar. É a minha favorita do disco porque exala identidade e exalta sua origem, que é um dos motivos também pelo qual ela é tão forte. Amei conhecer mais também do manguebeat, ritmo brasileiro que mistura ritmos regionais com rock, hip hop e música eletrônica. É uma música progressiva, sem medo de ser bruta e traz um outro lado do "underground" que vimos em 'Corazón Masoquista', só que dessa vez bem melhor. A sequência 'tanto faz' e 'Nua' são muito mais vulneráveis e menos românticas que parecem, trazendo, mais uma vez, uma camada bem interessante pro álbum. A essa altura você mal se lembra do clima descontraído nas primeiras músicas porque o papo aqui é outro: como uma muralha de amor é feita por vários e vários tijolinhos de afeto que não podem faltar, se não tudo desmorona. Essa fase do álbum é mesmo muito frágil: vemos uma BRÜ a beira da carência, sempre tentando voltar pra si mesma e se encontrar em sua própria força. As vezes isso é bem impossível.
O álbum termina com 'Ilhados', parceria com o rapper ELLIOT que sintetiza bem o álbum como um todo. Essa música é pra segunda parte o que 'Louca' teria sido pra primeira, mas é muito mais bem executada e embora tenha uma dose quase exagerada de poesia, sua mensagem continua bem clara. É um encerramento bonito pro álbum e muito reflexivo também. Você pode não concordar com a conclusão que BRÜ tomou sobre o amor, mas o coração é uma terra em que ninguém passeia.
Em uma noite qualquer de solidão, vou tomar uma taça do meu Chateau Margaux e me lembrar desse disco com muito carinho, porque como mulher, sem dúvidas vou me identificar muito com ele. Nessa dança tênue entre tesão e solidão, muitas vezes nos perdemos no eco da nossa própria voz. Mas se tem algo que aprendi com esse disco, é que ser como uma loba pode ser a nossa forma de nos reinventar e nos fortalecer. Afinal, a verdadeira liberdade está em saber amar e ser amada, sem nunca perder de vista quem realmente somos. Eu acho que BRÜ sabe exatamente quem ela é: uma loba.
Nota: 82
Escrita por: Daniel Frahm
Em uma revelação chocante, a cria de reality show, Brü, nos mostra quem ela é de verdade, ou pelo menos, é isso que ela quer que a gente pense.
Seria muito ingênuo da minha parte escrever essa resenha sem mencionar a pluralidade sonora que esse disco possui, indo do mainstream a músicas com viés totalmente regional super nichado. Temos Brü para quem gosta de um bom R&B e uma boa bossa, e temos Brü para quem sabe aproveitar os embalos de um bom xaxado.
E para mim é aí que está a graça! É divertido ouvir “Louca”, “Menino Do Rio”, “Um Pé de Jambu Cresce Em Mim Como Asas” e imaginar que toda essa caravana faz parte de um único projeto, e mais: é muito bom. Se me permitem dizer, as canetadas não são o ponto mais forte do disco, mas ainda sim são muito poderosas como na incrível política “De Onde Vinha?”
Note que nessa review já foram citadas umas 5 músicas e nenhuma delas foi trabalhada como single (pelo menos não até o momento dessa review) e isso nos faz entender a estratégia de Brü em se lançar com duas faixas mais genéricas como “Noite de Caça” e “Nua” para atrair atenção e cativar público para quando eles entrarem no mundo criado por ela nesse debut, eles possam se deleitar com as mil versões dela mesma. Honestamente nesse álbum, as faixas mais comerciais são onde Brü menos brilha, ela casou tão bem com a estranheza da guitarra em “Um pé de Jambu…”, do eco na voz em “Tanto Faz”, do chocalho, a sutileza do violão em “Menino Do Rio”, a experiência do beat sintético em “Louca” que os singles nem são tão interessantes assim e ainda bem!
Para finalizar, eu gostaria de parabenizar a artista por conseguir juntar músicas tão diferentes em um único corpo de trabalho que embora tenha só 10 músicas, é um universo imersivo rico em sonoridade. Nesse álbum a gente nunca sabe o que está por vir na faixa seguinte, mas Brü garante que vai ser muito bom.