.Coluna Pamela Niven: Que dia mais nublado...
Nov 1, 2024 1:06:19 GMT
Post by luis on Nov 1, 2024 1:06:19 GMT
Quando tinha 16 anos, quebrei o meu braço em uma partida radical de Críquete com meus primos em uma viagem de família para Lisboa. Aos 23, passei pelo meu primeiro acidente de carro: um amassado na lateral do meu Volvo 1998. Aos 29, perdi minha Hermès Birkin em um passeio de charrete pelo Central Park. Ao decorrer da minha longa vida (não, eu nunca vou revelar minha idade!) eu passei por algumas experiências deveras complicadas. Não, a vida não teria graça nenhuma se fosse fácil. A gente cria e leva mesmo essa bagagem. Tudo bem, é natural, é da vida...
Mas as vezes me pergunto: será que eu precisava de tantas? Será que já não cheguei na fase da minha vida em que essa bagagem pode ser enterrada e eu posso viver confortavel para sempre? Eu poderia ser uma senhora aposentada, leitora da Coluna Pamela Niven e uma esposa exemplar no sul da Filadélfia, que prepara tortas de pera e costura cachecois. É serio, eu poderia mesmo! Mas como qualquer ser vivo, eu inventei uma âncora pra amarrar o meu pé e me arremessei de novo ao mar que eu vivia na juventude. Inventei um fardo, um câncer, uma questão totalmente desnecessária! Conseguem imaginar que fardo é esse? Claro que conseguem. É ter que ser uma crítica musical. Infelizmente, nasci pra isso. Vocês sabem que não existe uma crítica ou uma coluna melhor que a minha na web.
Acontece que as vezes, esse fardo cheira a fardo. Esse trabalho, que é raramente desagradável, pode sim ser desagradável. Não é assustador? Esse trabalho agora parece mesmo um... trabalho! Tenho vontade de voltar pro alcoolismo e vender essa coluna pra algum jornal barato sempre que tenho a experiência desagradável de ouvir e criticar uma música ou um álbum RUIM. Sim, essa palavra a ser usada. R-U-I-M. Fico aflita só de pensar. E como qualquer câncer, me lembro que meu emprego não é tão ruim assim quando me dopo com uma forte quimioterapia: música boa de verdade. Ah, a cura do câncer existe sim! Um álbum bom é um álbum bom. Clareia os horizontes, abre os caminhos, me lembra do porquê não voltei pro alcoolismo ou vendi essa coluna ainda. E claro, me dá muito dinheiro. Essa é a vantagem!
Esse mês, após minutos sofríveis ouvindo um certo artista indie, decidi que precisava de uma sessão de quimioterapia. Música de verdade pros meus ouvidos. Essa foi meio que a sequência dos fatos: Ufa, Plastique Condessa lançou seu quinto disco "In a Sunny Day, Everything Can Happen". É isso que vou ouvir, hora do play! Essa Plastique, sempre irônica! Hahahah! Hahah! Hah... Ah. Ahh.. Ok. Hm... Hmmmm..... Não... Não! NÃO! NÃAAAAAO!
Desculpem o parágrafo acima... é uma sensação muito ruim... Bom, eu e Plastique certamente temos uma relação de altos e baixos. Já nos confrontamos algumas vezes em tapetes vermelhos. Típico... Vocês sabem, sou uma mulher madura e profissional. Separo as coisas. Embora pessoa detestável, uma grande artista! Mas acharam mesmo que eu perderia a oportunidade de explorar o máximo possível o seu primeiro fracasso? É duro de dizer, eu sei. Mas é um fracasso mesmo. Diferente do esperado, decidi não enviar minha crítica ao álbum, mas apenas publicar na coluna. Espero que entendam.
PLASTIQUE CONDESSA: De pessoa horrível que fazia músicas boas para a pessoa horrível que faz músicas igualmente horríveis.
Apesar de não ser um nome que figurou muito no topo das paradas musicais durante a sua carreira (dou destaque a ótima Fight With Myself! Bons tempos que não voltam...), Plastique ainda assim conseguiu o feito de se tornar uma das pessoas mais icônicas e reconhecíveis da indústria musical nos últimos 10 anos, com músicas que nos fazem transcender, pensar mais sobre nós mesmos ou sobre o mundo ao nosso redor. Plastique acumulou a aclamação necessária para ser considerada uma referência na indústria. Felizmente, vocês, seguidores fiéis da minha coluna, entendem bem português, e entendem que eu preciso usar o pretérito perfeito do indicativo. Usado para descrever ações concluídas no passado. Plastique Condessa foi uma ação concluída no passado. Foi ótimo até aqui. Descanse em paz, vovó.
Sabemos muito bem que Plastique nunca foi uma pessoa agradável; sempre muito sarcástica, sempre atacando outros artistas (às vezes sem motivo) e sempre envolvida em polêmicas. A cantora também acumulou uma fama de “bad girl” da indústria, que apesar todo o comportamento errático e de sabermos que nunca foi uma boa pessoa para se conviver, ainda assim nos emocionava com suas canções e de certa forma, nós a perdoávamos por ser desse jeito, pois sabíamos que em seu próximo disco ela iria entregar nada menos do que excelência. A certeza é uma armadilha tão, mas tão perigosa... Leitoras, esse é o conselho da Pamela Niven: Tenham menos certeza de tudo. Literalmente, em um dia ensolarado TUDO pode acontecer! Até as coisas mais improváveis, como lançar um dos piores álbuns dos últimos tempos.
Na nossa linha do tempo, em 2028, Plastique lançou o polêmico “In a Sunny Day, Everything Can Happen”. Me permitam ser direta: letras vazias, artificializadas, instrumentais que não fazem sentido, e uma narrativa que não sabe para onde vai. É mesmo um pouco triste de se pensar. Estamos vivenciando o nascimento de uma enorme mancha eterna na sua carreira. O humor obscuro da artista no álbum não parece mais algo revolucionário, parece apenas mau gosto e esvaziamento de pautas realmente importantes (talvez essa parte nem seja tão surpreendente assim).
Peço desculpas pela forma direta que vou me retratar agora. Isso não combina com meu perfil elegante. Mas Plastique continua sendo a pessoa que ela sempre foi; uma pessoa errática, que ataca a todos, e agora também sorofóbica em suas redes sociais. Plastique deixa de ser o “gênio atormentado” e se torna apenas uma atormentada, que grita aos quatro cantos a sua soberba e prepotência. O conto já dizia: Ícaro voou perto demais do sol. Talvez seria melhor continuar atrás dele. Ela era boa nisso.
Talvez Plastique Condessa devesse entender que, para o público certo, o que mais valorizamos não é a promessa de “tudo pode acontecer”, mas sim a sensação de que estamos ouvindo algo exclusivo, algo com classe, que não esteja à venda na prateleira de todos. Não era essa a sensação? A genialidade de entender um gênio? A prateleira intelectual alta que ela e seu público estavam? A grande redoma de vidro intacta em que toda a preciosidade estava guardada? Essa redoma de vidro é hoje, uma vergonha. A verdade é que em um mundo onde as boas playlists são como bons sapatos, há uma diferença entre o que você usa em qualquer esquina… e o que realmente merece um lugar no closet. Esses sapatos perderam o encanto. São só tamancos agora. E não, não cabem mais nos meus pés.
Sei que esse é um tipo de artigo diferente que vocês estão acostumados na coluna, e sei que posso ser muito retalhada por isso. Mas o certo precisa ser certo: chegou a hora de desconstruir o Deus que vocês criaram. O bom talvez não seja tão bom assim. A lenda talvez seja só mais uma garota de Baldwin Hills. Não é como se eu fosse a grande dona da razão, mas diferente de outras colunas, não tenho medo de dar a minha cara a tapa e falar o que deve ser dito. Sem essa de respeito. Não existe mais respeito aqui a muito tempo. E sinceramente? Fui desrespeitada no momento em que dei play nessa caixa de pandora.
A verdade é que já estou com a cruz nas costas, a coroa de espinhos na cabeça e os pregos nas mãos. Mas diferente de Jesus Cristo, tudo que eu penso é: "Por favor, me apedrejem! Me apedrejem logo. Eu mereço ser canonizada depois dessa".