[EU] Genius TBT - Shadowheart: A Tale By Vivien Turner
Sept 16, 2024 2:43:01 GMT
Post by ggabxxi on Sept 16, 2024 2:43:01 GMT
Saudações a todos, minhas queridas projeções virtuais. Hoje, eu estou presente nesse belo estúdio da equipe da Genius para falar um pouco sobre o meu belo extended play "Shadowheart, A Tale by Vivien Turner", que é trilha sonora para o belíssimo jogo RPG "Baldur's Gate 3". Bem, eu sou uma mulher de quarenta anos então vocês podem estar se perguntando "Por que uma mulher madura como ela está fazendo trilha sonora para jogos de videogame?" e eu tenho uma resposta, ainda que a mais pertinente fosse simplesmente dizer que é porque eu quero e a ideia de que mulheres de quarenta anos não podem gostar de videogame é fundada em etarismo, e não em filosofia ou ciência. Mas... minha outra resposta é que Baldur's Gate 3, assim como o 2 e o 1, se passa no universo de um dos maiores acontecimentos (ao lado de Star Trek, Star Wars, Dune, Game Of Thrones e Lord Of The Rings) do mundo geek, do qual eu faço parte desde que me entendo por gente: Dungeons and Dragons. Para quem não sabe o que é Dungeons and Dragons, ele é o precursor de todos os RPGs de mesa da história. De Tormenta a Cyberpunk Red, todos esses sistemas de RPGs de mesa só existem porque Dungeons and Dragons foi a primeira criação e o modelo, mas mais do que isso, Dungeons and Dragons criou um universo complexo e maravilhoso, com deuses bondosos, neutros e malignos, com diversos planos infernais e castas demoníacas, com diversas raças e subraças que vão de drows a tieflings, de elfos a gnomos e halflings, diferentes tipos de magia e diferentes abordagens com as quais se interage com magia, guerreiros, ladinos, paladinos, patrulheiros, caçadores, arqueiros, magos, bruxos, feiticeiros, clérigos, swashbucklers, tinkers, druidas... e mais uma vastidão de classes. Dungeons and Dragons foi um momento tão importante na cultura pop que sua influência é encontrada até onde leigos no assunto não conseguem perceber, como o grupo de personalidades, arquétipos e funções em jogos como World Of Warcraft, Genshin Impact ou até League Of Legends com o modelo de Tanques, Assassinos, Magos, Curandeiros e Patrulheiros. Além disso, Dungeons and Dragons tem uma vastidão de mapas, cenários, regiões, climas, civilizações, culturas e sistemas políticos. Nós temos, por exemplo, A Umbreterna que é habitada pelos elfos negros, também chamados de drows, uma raça élfica de pele azul e cabelo branco que vive num sistema político matriarcal comandado pela Deusa Aranha, Lolth, na região subterrânea do mundo chamado Faerûn. Também temos os Reinos Esquecidos, um plano diferente de Faerûn onde se encontram divindades naturais, como Tiamat, a Rainha dos Dragões e Vingador, ambos personagens que vocês provavelmente reconheceram da primeira animação de Dungeons and Dragons, "A Caverna do Dragão" Temos ainda o Plano Astral, habitado pelos temíveis Githyanki e por colônias de Mindflayers, que vocês também provavelmente conhecem através das referências do sucesso da Netflix, Stranger Things. Bem... por que eu disse tudo isso? Evidentemente porque meu EP, Shadowheart, é uma trilha sonora, e as músicas presentes nele servem a um propósito em um contexto específico, contexto este que é inserido e vive em todo esse mundo maravilhoso de Dungeons and Dragons.
Mais especificamente, ele é uma homenagem heróica a uma de minhas personagens preferidas em todo este vasto mundo geek, a clériga Shadowheart, ou Jenevelle para os mais íntimos. Bem, antes de tudo, Baldur's Gate 3 se passa em Faerûn, grande planeta habitado por elfos, com todas as suas variações, também habitados por goblins, tieflings, humanos, gnomos, anões, halflings e etcetera, muitos deles são magos estudiosos da trama da magia arcana, muitos são clérigos devotos das mais variadas divindades, muitos são druidas que amam e protegem a natureza... alguns são bruxos, que fizeram um tratado com algum ser poderoso extraplanar como uma banshee, uma fada ou até um demônio, bardos que utilizam da música para canalizar magia, e por aí vai. Em Baldur's Gate 3, o personagem do jogador se encontra com vários personagens emblemáticos que o acompanham em sua jornada. Temos Lae'zel, uma guerreira Githyanki sanguinária e arrogante, Astarion, um alto elfo vampiro e ladino muito sensual e caótico, temos Minthara, uma drow paladina da deusa Lolth, Halsin, um grande e forte druida da floresta e devoto do deus Silvanus, e enfim, vários outros como a tiefling Karlach, o mago Gale, o bruxo Wyll e, é claro, a estrela do meu EP, a misteriosa e melancólica Shadowheart, uma meio-elfa clériga da deusa Shar, deusa da perda e do lado não iluminado da lua, deusa das sombras, uma deusa maligna, também irmã gêmea da deusa Selune, que é a deusa do lado iluminado da lua, também a deusa da bondade e das viagens. No entanto, uma característica linda no jogo Baldur's Gate 3 é que, à medida que seu personagem progride e desenvolve sua própria história, os personagens que o acompanham também têm uma história própria para desenvolver. De Astarion a Karlach, todos eles passam por obstáculos pessoais e reviravoltas, sendo mudados para sempre pela jornada com o personagem do jogador. Com Shadowheart, não seria diferente, e é justamente a história dela que eu representei nesse EP, obviamente. Mais uma coisa é que as músicas são cantadas em primeira pessoa, como se ela estivesse contando a própria história, uma abordagem bastante utilizada por bardos, ainda que a mais popular seja na terceira pessoa. Eu escolhi escrever em primeira pessoa porque queria expressar também os sentimentos de Shadowheart em frente a tanta revolução e reviravolta em sua vida. Bem, então vamos à primeira música?
"Daughter Of The Loss"
Acho que é óbvio para qualquer pessoa que conhece o jogo porque a música tem este título. Shadowheart, inicialmente, é uma clériga de Shar, a deusa da perda. O eu lírico, que é Shadowheart em todas as músicas, começa se dirigindo a uma tripulação que flutua sobre o mar, dando indícios óbvios através dessa descrição de que ela estava em meio a uma viagem, e ela pede a atenção dessa tripulação, "virem a mim vossos olhos". Depois, ela se apresenta como uma mulher orgulhosa e destemida de cabelos cor de carvalho, algo também óbvio assim que você dá uma olhadela na capa. Ela também se diz uma mulher que nada contra as marés, uma metáfora simples e notável que significa ser uma pessoa rebelde, transgressora, disruptiva. Isto porque em Faerûn, a crença na deusa Shar é mal vista, e seus devotos têm fama de traiçoeiros, claro, porque o medo da morte também é uma epidemia no mundo do jogo assim como é no mundo real. Então, nossa heroína conta que antes de tudo, ela anda pela costa, pela praia, e procura o entreposto mais próximo, nos dizendo que ela chegou ao destino de sua viagem. Ela leva sua espada e seu escudo, leva seu coração sombrio, enquanto foge pelo campo. É claro, isso porque ela também foi capturada pelos mindflayers e depois, escapa deles, sendo forçada a fugir, algo que acontece ainda no tutorial do jogo. No refrão, ela diz "Eu grito, eu grito, eu sou a filha da perda, eu perdi, eu e você pagamos o preço". Essencialmente, quando uma pessoa sente a perda, o luto, é porque duas pessoas perderam algo: uma perdeu a vida e outra perdeu sua pessoa amada. Por isso, ela e sua pessoa amada pagaram o preço. "Eu canto, eu canto, acompanhada da dor eu canto, tenha cuidado com a escuridão que eu trago" fala, é claro, sobre a dor da perda e a melancolia, a escuridão que ela causa em nossa visão de mundo e em nosso semblante. No caso de Shadowheart, sua perda é a magia de apagamento de memória que ela sofria recentemente no claustro em que cultuava Shar antes de sua captura. Depois, ela fala que precisa se ausentar, procurar pela canção da noite perfeita para seu lamento. O significado principal é óbvio, ela está à procura de algo que atenue sua dor, uma música que a ajude com seu lamento, mas essa estrofe possui uma ambiguidade criada pelo jogo de palavras no uso de "night song", já que Nightsong também é um dos títulos pelos quais as pessoas chamam a personagem Aylin, uma mulher celestial que é filha da deusa Selune, irmã de Shar. Para se tornar um Inquisidor da Noite, cargo mais alto da igreja de Shar, um devoto de Shar deve matar Aylin, por isso, a próxima estrofe fala sobre "assassinar a luz", já que ela é filha da deusa do lado iluminado da lua. Então, ela fala sobre a hipocrisia que ela vê em Selune, a irmã e antagonista de sua deusa Shar, falando que "a lua brilhante tem não só a penumbra, como também a escuridão", já que ela acredita que as pessoas em dor e sofrimento, em luto, são acolhidas por Shar e ensinadas a abraçar a perda. E então, ela pede para ser liberta de suas amarras, é claro, como uma pessoa que deseja ser mais que sua dor, fazer mais da própria vida do que somente estar eternamente enlutada, o que ela confirma quando pergunta para a tripulação o que mais ela pode ser? O que será dela se ela deixar a perda, superar o luto? Perceba que Daughter Of The Loss é, sim, uma música com referências ao jogo, ela existe de maneira especial no contexto da história de Shadowheart, mas qualquer pessoa que não jogou poderia compreender, com o mínimo de interpretação de texto, que essa é uma música sobre uma pessoa que está exausta de viver em luto e deixar a falta de alguém a consumir e determinar quem ela é. É como se fosse o início de uma superação do luto.
"Baldurian Fair"
Bem, essa música, uma das minhas preferidas juntamente com Daughter Of The Loss e Daughter Of The Light, é também uma música que tem um significado pelo contexto do jogo mas também pode ser interpretada de outra maneira, então, vamos conversar um pouco sobre ela. Começamos com a estrofe "Eu vivo entre as ruínas de um palácio que eu já fui, dançando com lobos eu fujo, sempre perseguida por um fantasma". Percebem como a abordagem dela sobre o luto mudou? Ela reconhece que era algo majestoso, um palácio, antes do luto e que o luto a destruiu. Isso é uma metáfora que tem uma utilidade na storyline, pois é durante o ato dois no jogo que Shadowheart sente sua fé em Shar tremer. Ela e a trupe chegam nas Shadowcursed Lands, terras que já foram radiantes, cheias de vida, mas que foram amaldiçoadas a serem eternamente sombrias, por um outro meio-elfo clérigo de Shar, Ketheric Thorn, que mais tarde descobrimos que renegou a Shar para cultuar um dos deuses da morte, o deus necromante Myrkul. Aquele lugar é como a própria Shadowheart, ambas eram algo antes da perda e ambas viraram algo diferente, mais sombrio, depois da perda. Mas isso também pode ser dito de qualquer pessoa em luto, por isso é identificável. Qualquer pessoa se torna outra eternamente diferente depois de sofrer uma perda. Eu... eu mesma me identifiquei com Shadowheart justamente por conta de minha própria perda: meus pais e minha eterna melhor amiga Banshee. De certa maneira, Shadowheart me ajudou a superar essa perda e a ser mais que meu luto, mas isso é um assunto pra última música! Continuando, ela diz que as estátuas de seus amores não farão marca na mente dela, isso porque, literalmente, as memórias dela são apagadas, mas metaforicamente, isso também é sobre como uma pessoa em luto é totalmente fechada para qualquer outra coisa. Quando estamos em luto, é quase como se nos sentíssemos culpados por querer deixar pessoas novas entrarem em nossa vida e nos fazerem felizes, é como se nós mesmos enxergássemos nossa própria felicidade como um desrespeito à pessoa que nos deixou, que partiu desse mundo. E por isso, nos fechamos para o amor e não deixamos nossos amores nos marcarem, não deixamos as pessoas que tentam nos amar terem sequer a chance de suceder em conseguir nosso amor como retribuição. Então, as próximas estrofes foram construídas como comentários para algumas personagens, mas também como comentários sobre diferentes abordagens que pessoas têm do luto. "Você foi profundamente machucado, não distingue amigo ou inimigo, fogo certamente pode queimar mas também te mantém aquecido". Isso é, especificamente, para Minthara, uma paladina que perdeu a si mesma e se desviou de seu curso, ela não é vilã, só foi compelida ao lado maligno por estar perdida. Mas essa estrofe também é sobre as pessoas que se sentem confusas e incompreendidas quando perdem alguém, elas não aceitam ajuda das pessoas que a amam por assumir que ninguém vai entender sua dor e que elas estão sendo simplesmente condescendentes. Depois, temos "Me mostre toda a sua raiva e minhas mãos a dissiparão, não existe neblina mais sombria do que o vil de que eu sou composta", que eu fiz, no contexto do jogo, para a personagem Karlach, que também sofreu uma perda, nesse caso, a de seu próprio coração, ao ser capturada e escravizada por uma dos líderes demoníacos, a temida Zariel. Mas ela também é, no geral, sobre pessoas que respondem ao luto com a raiva. Raiva de ter passado pela perda, raiva de não ter mais alguém que provavelmente a dava afeto e alegria, ao que Shadowheart responde que ela já esteve no mesmo lugar e conhece a perda como ninguém, que pode apaziguar os corações das pessoas que também sofrem com ela. E em seguida, temos "eu uso minhas lágrimas como uma tiara, você empunha as suas como uma espada, mas existe uma letra escarlate para a qual eu e você somos jurados". Essa estrofe é como uma mensagem de Shadowheart para a personagem Lae'zel, a guerreira Githyanki, que responde a toda adversidade com agressividade e luta. Mas mesmo fora do contexto do jogo, a estrofe é sobre como o eu lírico conseguiu reverter o luto em algo belo, enquanto a pessoa a quem ele se dirige transformou o luto dela em algo que a faz machucar os outros, mas ambos ainda têm algo em comum, que é a dor, e a dor é a letra escarlate. "Letra escarlate", para quem não sabe, é uma referência muito, muito famosa no âmbito da língua inglesa, vários artistas, de músicos a poetas a romancistas, usam essa referência que vem do livro "A Letra Escarlate", publicado em 1850, de autoria do magnífico Nathaniel Hawthorne. Todos que consomem cultura na língua inglesa conhecem este livro, ele é um clássico à mesma maneira que Romeu e Julieta de Shakespeare ou Emma de Jane Austen, e conta a história de uma mulher que cometeu adultério e foi obrigada, como punição, a andar sempre com a letra "A" em suas roupas, como uma maneira de humilhação pública, mas ela transforma aquilo em algo bom. Da mesma maneira, uma pessoa em luto também sofre várias formas de humilhação veladas, há pessoas que julgam a longevidade de seu luto, há pessoas que te tratam como coitadas, muitas convenções sociais que envenenam que está num momento tão sensível como esse.
"O' Muse"
Ah, essa é uma música muito bela, não é? Ela aquece o meu coração! Bem, O' Muse é provavelmente a mais óbvia e mais simples, com metáforas que eu não acho que exista alguém nesse mundo que não consiga entender. Ela está falando sobre uma musa, e musas só existem em obras de arte, o que indica que esta situação só existe no mundo artístico, ela não é a realidade mas algo inventado pelo eu lírico, novamente Shadowheart. Então, essa música é cantada por alguém que está desejando e fantasiando um amor, com grandes expectativas quanto a ele, pois a pessoa amada foi de grande ajuda na mudança das marés dos eventos de sua vida. "Minha musa vira os meus olhos como a lua vira as marés, em nossos contos de origem, nós expurgamos a sombra que se esconde", aqui ela diz que pela primeira vez, alguém moveu os olhos dela, a distraiu da perda e a ajudou a superar o luto. Em Baldur's Gate 3, Shadowheart é uma das personagens com que é possível ter uma história romântica, então, canonicamente, a ajuda do personagem do jogador a ajuda em sua própria jornada, e O' Muse é como se fosse uma música de amor escrita por Shadowheart para o personagem principal, o jogador. Ainda sim, ela tem lugar num contexto geral, é sobre aquele alguém que sempre esteve lá pra você durante seu luto, te acompanhando em sua dor e te ajudando a atenuá-la, e por isso, ela quer realmente que seu amor continue com ela. Algo que eu amo é o jogo de palavras nessa estrofe... "Yell o' muse to open the doors, Yellow muse the outside has thorns", porque "Yell o'muse" soa exatamente como "Yellow muse", provocando um efeito que chamamos de cacofonia, que eu acho que é extremamente útil na criação artística para causar uma interação especial com o ouvinte, algo que eu penso sobre constantemente ao escrever minhas músicas. E claro, não só por isso, mas a musa também é descrita como amarela porque ela é, de certa maneira, a luz metafórica que adentrou a vida de Shadowheart e a ajudou a combater a própria escuridão. Então, ela questiona se a pessoa que ela ama também vai a amar de volta: "minha musa, você também vai esperar por mim? Minha tapeçaria é feita de você, eu costuro por toda a sua magnitude". Mais uma metáfora super popular que inúmeros artistas usam, aqui, tapeçaria é um termo para se referir à história de alguém, isso porque não só muitas civilizações passaram a costurar ilustrações de histórias em suas tapeçarias mas também porque isso vem de uma crença da antiga Grécia politeísta, a crença nas Moiras, que eram três divindades encarregadas com a função de cuidar do destino de todas as pessoas através de linhas, e cortá-las quando chegava a hora da morte de alguém. Mas bem, isso é senso comum, ninguém precisa entender a origem da expressão tapeçaria nesse contexto pra entender que fala sobre tecer uma história. Então, ela pede para que sua musa "vire suas marés uma vez mais", ela quer sentir sempre a revolução que a musa causa em sua vida, ou seja, quer ser amada novamente, e novamente, e não quer acabar sendo "prisioneira do tédio", de uma vida sem a animação que é amar essa pessoa.
"Down By The River"
Bem, essa música também é realmente simples de ser entendida, ela tem algumas metáforas mas no geral, é fácil entender que ela fala sobre a consumação de uma relação amigável e de lealdade: "É jurado pelas folhas, você deve honrar seu juramento a mim, quando eu for sua próxima ao rio", significando que essas duas pessoas fizeram um juramento em meio à floresta, é óbvio que não é literal, mas figurativo, afinal qualquer pessoa sabe que folhas não têm a capacidade de jurar, elas são seres inanimados! Isso é uma metáfora de estilização, muito usada por artistas no período medieval e hoje em dia muito presentes na arte feita para, justamente, mídia e histórias que se passam num mundo medieval, ainda que fantástico. Veja bem, na trilha sonora de O Senhor Dos Anéis, existe uma música chamada "Into The West", que fala sobre regiões costeiras chamarem a musa, e é claro, regiões costeiras não chamam ninguém, elas são só mar e areia, mas isso é um dispositivo retórico, figura de linguagem de personificação que simboliza algo. No caso de Into The West, "as regiões costeiras brancas o chamam, você estará em meus braços novamente" está dizendo, de maneira metafórica, que a musa sente saudade do eu lírico. Se eu não me engano, Annie Lennox escreveu essa música da perspectiva de Arwen se dirigindo à Aragorn, assim como minha música Down By The River, que se dirige ao personagem principal, mas pela perspectiva de Shadowheart. As regiões costeiras, na música dela, simbolizam o lar de Arwen, Valfenda, que é uma terra élfica costeira, se eu me lembro bem. Já as folhas, na minha música, simbolizam a floresta e como ela era os arredores durante o juramento descrito na música. Então, temos a estrofe "Sinto a bruma da manhã, fresca como o suspiro de um deus, com você é onde eu devo estar, próximo ao rio" e... nenhum mistério aqui, certo? Ela só está dizendo que sente a bruma da manhã e ela é maravilhosa, divina, é só uma forma artística de dizer "eu acordei de manhã me sentindo bem porque estava fresco", mas nós não vamos escrever de maneira tão simples numa música que emula os bardos medievais, eles eram realmente poetas, eles amam uma linguagem floreada, e eu também amo! E então, temos "segure minha mão, com amor eu estou aqui, só permita que nossas linhas e curvas nos misturem", uma metáfora também muito comum ao falar sobre sexo. E então, considerando a música como um todo, acho que fica fácil entender que Shadowheart realmente se envolveu com sua musa, que se tornou seu amor, e eles consumaram seus votos de amor se deitando juntos.
"Daughter Of The Light"
Ah sim, é claro que todos perceberam que essa música é uma reprise de "Daughter Of The Loss", certo? A primeira estrofe é idêntica, fora, é claro, a melodia é a mesma. Isso foi a maneira que eu encontrei de criar um momento de conclusão, uma reflexão de Shadowheart sobre sua própria jornada e como tudo aquilo a transformou em outra pessoa. Durante a jornada, Shadowheart começa como uma clériga de Shar, alguém que abraça a perda, a solidão, a escuridão, e vive nela. Então, ela fez amizades, se apaixonou, conheceu a verdade sobre Shar nas Shadowcursed Lands e ao fim do ato 2, ela tem a chance de matar Nightsong, mas se recusa e salva ela ao invés disso. Assim, ela rejeita, pela primeira vez, a deusa Shar. Na segunda estrofe, tudo já muda. Antes orgulhosa e destemida, agora ela estava humilhada e amargurada, isto porque ela renegou a Shar, causando o descontentamento dos devotos de Shar que agora a humilhavam, além de amargurada por perceber que ela não realmente concordava com os princípios de Shar, já que a perda deve ser sentida, mas deve ser superada e não transformada em algo que rege sua vida. Ela diz também que seu cabelo mudou de cor, se tornando preateado, que é a cor tradicional do cabelo de devotos de Selune, a irmã gêmea e inimiga de Shar. Ela diz "as cascatas em minha cabeça não foram sempre cinzas, mas anos passados descansam em túmulos", falando que ela já foi uma pessoa diferente mas que o passado não importa mais, ele está morto. Depois vem "e o que está em jogo são as verdades que eu preciso levar, viajar pelos erros da minha vida", mostrando que ela sente culpa e remorso por ter abraçado a perda e a dor por tanto tempo. Então, chega o verso de meu querido amigo da Sibéria e também entusiasta de Baldur's Gate 3 e Dungeons and Dragons, Jerome Smirnov, que é a única voz em todo o projeto que não é de Shadowheart, mas da tripulação a quem ela se dirige. A tripulação a questiona: porque se rebaixar e sentir culpa? Atenção aos versos: "Oh por quê? Oh, por quê? Oh, filha da luz? Seu fogo você não deve abandonar. Você não deve se render a essa batalha, a filha da lua deve sempre ficar". Então continuando a parte que Jerome canta, ele toma o lugar de alguém que conta a história de Shadowheart, em fatos e não em sentimentos, como ela fez durante o projeto. Ele diz: "Quando Shadowheart fugiu até os portões da cidade, ela se juntou à canção da noite", claro, dizendo que Shadowheart agora estava ao lado de Selune e sua filha Nightsong, também conhecida como Dama Aylin. Depois diz "amigos fizeram sua parte e a levaram ao seu destino mas agora ela deve continuar sozinha", contando sobre como ela deve companhia durante as Shadowcursed Lands e até chegar na cidade, que é, obviamente, a cidade chamada "Baldur's Gate", já que é dito que ela fugiu até os "portões". Então, "ela atravessou a ponte, sobrepondo seu medo transbordante, e ela achou sangue de seu sangue", sobre quando Shadowheart vai até o claustro de Shadowheart enfrentar seus antigos companheiros, agora inimigos: os devotos de Shar, e acaba encontrando seus pais, que ela acreditou sempre que estavam mortos pois era o que as pessoas da igreja de Shar a diziam, quando na verdade, eles foram aprisionados pela própria Shar por serem devotos de Selune, sua irmã e antagonista. Então, o narrador interpretado por Jerome continua: "Os pais dela se deitam sobre o chão sujo, oh, lady, pelo que você luta?", isso porque Shadowheart se encontra em um dilema agora, ela tem que decidir entre se livrar da influência de Shar em sua vida ou salvar seus pais, uma última tortura que Shar quis aplicar a ela. Mas então, Jerome continua "Ela uma vez foi filha da perda, isso não é uma ponte nova a atravessar, ninguém nunca se igualou ao seu poder, tenha cuidado com a filha da luz", mostrando que Shadowheart já lidou com a perda, ela já era resistente, e que ninguém nunca a subjulgou. Durante a jornada, ela se empoderou e tomou as rédeas de sua própria vida das mãos da deusa maligna Shar. Depois, o eu lírico volta a ser Shadowheart, interpretada por mim, e ela diz "Sim, eu já fui a filha da perda e eu paguei o preço. Agora, a lua brilha e a luz dela, eu vejo em mim, cuidado, cuidado comigo". Ela expressa aqui, que conhece muito bem o que é sentir a perda, o que é sentir a dor, e que agora ela era resistente a isso, ela agora é forte e se sente poderosa. Ela sente a luz da lua, algo sagrado para ela, em si mesma. E então, ela termina dizendo "cuidado, cuidado comigo", algo que só é dito por alguém que se sente forte, poderoso, e está disposto a impor a si mesma para continuar assim. Dessa maneira, Shadowheart está, enfim, livre! Agora, vocês entendem porque eu amo tanto essa personagem? A história dela é muito bela, muito desenvolvida e muito inspiradora. O que eu mais gosto é como os roteiristas do jogo criam histórias que são mais que histórias. O assunto agora é Shadowheart, mas brevemente, a história de Lae'zel é sobre superar a alienação e se tornar uma pessoa independente, com senso crítico. A história de Karlach simboliza ter medo de amar até encontrar a pessoa certa. A história de Astarion é uma história clássica de como o oprimido sonha em ser o opressor. E por ai, vai. Voltando à Shadowheart... sua história não é só uma história normal de um personagem. Ela é simbólica, ela é uma grande metáfora sobre os estágios do luto, e é isso o que eu explico em meu EP. Ele é, sim, sobre Baldur's Gate 3, mas não é só sobre isso. Com um pouco de tempo e reflexão, é fácil entender que minhas músicas são sobre o luto, sobre superá-lo, sobre como é mais fácil com companhia, com afeto, com amor. Se eu não tivesse dito que essas músicas eram sobre Shadowheart e Baldur's Gate, tivesse as lançado como um EP de minha própria discografia, ele ainda seria um EP que trata sobre a jornada de superação de uma pessoa enlutada. Isso porque Shadowheart não é só uma personagem, ela é um símbolo também. Ela é um símbolo de libertação, de superação, de se tornar maior que sua dor e conseguir ser feliz novamente. Da mesma forma que, por exemplo, toda a história de O Senhor Dos Aneis tem uma mensagem que vai além de sua história, Tolkien sempre dizia que toda a mensagem do livro é sobre uma das últimas coisas que Galadriel diz: "Mesmo a menor das criaturas tem o poder de mudar o curso do futuro". Segundo ele mesmo, que é minha maior inspiração, como vocês já podem ter percebido com todas as referências a O Senhor Dos Aneis que eu fiz em meu segundo álbum, chamado:
"Fold your hands, child
for you walk like a peasant.
For your needs are wild
and your flesh, unpleasant.
For your heart is full
of none other than mistrust
and your chest’s closed doors
show nothing but heavy rust.
For your mind seems free
but its truth is just weakness
and your motives seem deep
but they’re shallow, I am witness.
For your will is so rarefied
you leave ladies convalescent
so fold your hands, child.
You’ll forever walk like a peasant."
Nele, tem uma música chamada "Arda Marred", um termo criado pelo próprio Tolkien que significa "Arda maculada", e "Arda" é como os elfos chamam a terra, o planeta, que eles habitam, juntamente com todas as outras raças. Enfim, eu estou muito feliz por ter escrito algo com um propósito parecido com o de O Senhor dos Aneis, uma história que não é só uma narrativa, mas também algo simbólico, algo que significa alguma coisa. Eu tenho, mesmo, muito orgulho desse EP. E eu provavelmente vou fazer mais projetos parecidos, eu realmente gosto de mostrar apreciação pelos trabalhos de outros artistas, e todos os profissionais que trabalharam em Baldur's Gate 3 são, indubitavelmente, artistas. O jogo é maravilhoso, ele realmente é. Tudo é lindo, desde a ambientação até a construção de caráter e personalidade dos personagens. Eu fico muito feliz de ter essa parceria com a Larian Studios e de poder ter deixado uma parte de mim em algo tão lindo. Eu amo essa seleção de músicas, eu realmente amo, elas significam muito pra mim. Assim como Shadowheart, hoje eu me sinto uma pessoa diferente depois de poder presenciar a história dela, uma história que inspirou minha própria superação, me inspirou a não mais sofrer por meus pais e por minha amiga Claire, mas celebrá-los, celebrar as pessoas que eles eram e celebrar tudo o que eles fizeram em vida. Bom, eu acho que nosso momento acaba aqui, muito obrigado por me receberem, Genius. Eu sou muito grata por ter a chance de falar um pouco sobre este meu trabalho e o que ele significa pra mim. Às minhas projeções digitais que vão assistir este vídeo, muito obrigado por darem um tempo de suas vidas para me ouvir, em músicas e em tagarelares. Eu realmente amo vocês, muito obrigado por criarem uma comunidade tão linda e me deixarem participar. Vocês são os protagonistas, e não eu! Bem, até mais ver. Sintam-se abraçados. Tenham um ótimo dia!
[DIVULGAÇÃO PARA ECHOES E DOWN BY THE RIVER]