[USA] SOFÍA X SATURDAY NIGHT LIVE
Jun 1, 2024 23:27:32 GMT
Post by adrian on Jun 1, 2024 23:27:32 GMT
[DIVULGAÇÃO PARA JUICIO FINAL & NO SÉ CUANDO SE ACABÓ]
Nesta noite de sábado, 01, Sofía se apresentou pela segunda vez no programa humorístico Saturday Night Live. A cantora, além de performer, foi também host do programa de hoje. Sofía cantou pela primeira o seu mais recente single, Juicio Final, e também performou a faixa No Sé Cuando Se Acabó, que faz parte da trilha sonora original do filme que a artista protagonizará pela Netflix. Os quadros que participou abordaram o humor característico de Sofía, com alfinetadas à colegas de indústria, brincadeiras consigo própria e a encenação de uma sitcom de terror aos moldes norte-americanos.
ATO DE ABERTURA - UMA FAMÍLIA (QUASE) LATINA
O programa está começando. O som de palmas invade os ouvidos dos telespectadores, enquanto a câmera de um drone passava por cima de uma cidadela. Era um pequeno amontoado de casas organizadas em fileiras. Um condomínio. A imagem ganhou uma legenda indicando o lugar que estava sendo filmado: local onde Sofía havia nascido na Cidade do México. A câmera aos poucos se aproximava de uma casa cor de rosa, simples, mas confortável. Em seu interior havia uma mulher, um homem e uma criança. Os dois adultos olhavam para a menina com preocupação e dúvida. A legenda indicava que o casal eram os pais da pequena Sofía e que a criança era a própria artista. Na verdade, todos eram atores do programa em uma esquete sobre a infância e a adolescência da popstar.
[PAI] Dioses míos! ¿Qué hacemos con esta niña, Paola?
[MÃE] Meu nome não é Paola e a essa altura você já devia saber disso!
[PAI] Perdona por favor, Paulina!
[MÃE] Meu nome também não é Paulina!
[PAI] Bién, creo que esto no importa ahora. Pero si lo que debemos hacer con la niña.
[MÃE] Não entendo o motivo de você estar falando esse espanhol fajuto se estamos em um programa norte-americano. E isso tudo dentro de um jogo online feito no Brasil, escrito por um gay paraibano.
A mulher pisca para a câmera, quebrando a quarta parede.
[PAI] Ah, se é assim, então bom.
[MÃE] Primeiro devemos dar uma nome à ela, que tal?
[PAI] Pensei em algo como Harmonia. O que acha?
[MÃE] Esse nome já é da concorrência. Outro.
[PAI] Emília?
[MÃE] Não estamos nos livros de Monteiro Lobato. Próximo.
[PAI] Aaaaaaaa! Não sei, é muito difícil.
[MÃE] Já sei! Sofía!
Nesse momento uma luz cai sobre os dois, como se o universo concordasse com o nome escolhido. Após isso eles a pegaram no colo e a colocaram em um quarto decorado com pôsteres de mulheres seminuas.
[MÃE] Sabe, será que essas imagens não são uma má influência?
[PAI] Querida, a primeira coisa que ela fez quando nasceu foi pular nos seios da enfermeira. Ela já é assim. E veja, ela dormiu tranquila olhando para a moça loira vestindo um top de banana.
[MÃE] Uma filha lésbica?
[PAI] Veja pelo lado bom… ela vai saber dirigir caminhão muito bem!
Eles saem do quarto e apagam as luzes. No dia seguinte há uma passagem de tempo de dez anos. A bebê Sofía agora era uma jovem de dez anos, dona de si. Só não era dona de si quando se apaixonava na escola; ela se rendia muito rápido ao sentimento. Na cena ela havia convocado a família para um comunicado importante. Os pais, agora mais velhos, estavam surpresos e aguardavam ansiosamente pela filha.
[SOFÍA] Pai. Mãe. Eu tenho algo muito importante para dizer a vocês. E quero que saibam que nada do que vocês possam falar vá mudar o que sou ou o que sinto. Nasci assim e sou feliz dessa forma. Quero que saibam, também, que isso não é errado, apenas uma forma alternativa de ver e encarar as relações interpessoais. Estamos no século XXI, sabe? Chega de pensamento retrógrado. Precisamos olhar para o futuro e encará-lo com olhos mais inclusivos para as diferentes formas de viver.
Os pais se entreolharam confusos.
[MÃE] Então…?
Sofía suspira.
[SOFÍA] Eu sou… bissexual. E latina.
Os pais gritam assustados e o pai chora. Enquanto a mãe tenta consolá-lo, Sofía olha boquiaberta para a cena que está em sua frente.
[PAI] Como… como você pôde? Isso é apunhalado nas minhas costas! Isso é coisa sua, mãe! Mimou demais essa garota e agora temos isso dentro de casa. Eu sabia! Eu sabia! Dioses míos! Que vergonha! O que vou dizer para meus pais quando eles descobrirem que a minha filha é… é…
Ele não conseguiu dizer. Então Sofía, de peito aberto e com coragem, falou.
[SOFÍA] Que a sua filha é queer?
Tanto o pai quanto a mãe a olharam com um olhar de dúvida evidente.
[PAI] Que você é bissexual nós já sabíamos, querida. Está estampado na sua cara que você gosta de mulheres. Nossa surpresa foi você gostar de homens também. Mas esse não é o ponto aqui!
[SOFÍA] Então porquê essa reação?
[PAI] Esperava tudo de você menos isso… latina, Sofía? Você nasceu em Madrid!
Sofía estava atônita.
[SOFÍA] Estou atônita!
[MÃE] Minha filha, saiba que qualquer decisão que tomar estarei apoiando. Diferentemente de seu pai, tenho orgulho de você se reconhecer como latina assim como eu. A nossa casa é onde o nosso coração diz que ele é.
[PAI] Viu! Isso tudo é culpa sua e da sua família la cucaracha!
Os pais começaram a discutir e Sofía estava perplexa. Em seu celular havia recebido uma mensagem cuja remetente era uma garota chamada Xana. A mensagem tinha apenas dois emojis: uma língua e uma tesoura. Sofía sorriu e saiu de casa.
No palco do Saturday Night Live estava Sofía e alguns dos apresentadores recorrentes do programa. Eles riam e batiam palmas para a esquete recém-apresentada. A cantora vestia uma roupa branca composta por um cropped com uma fenda nos seios, uma saia da mesma cor e uma bota também branca. A sua maquiagem seguia a mesma paleta de cor. Após o cessar dos aplausos ela falou.
[SOFÍA] Boa noite, USA! Boa noite, México. Boa noite a todos os meus latinos!
A plateia aplaudiu.
[SOFÍA] Esta noite é mais que especial para mim. É a segunda vez que venho a esse programa. E é a primeira que tenho uma esquete só para mim. Na última vez que estive aqui não me consideraram famosa o bastante para ter um segmento como esse. E olha onde estou agora: sendo maior que o próprio programa.
A plateia aplaudiu rindo.
[TORI] Não é bem assim…
[SOFÍA] Silêncio! La reina está hablando. Eu, como a estrela da noite, fiz algumas poucas exigências. Estarei listando todas elas para encher linguiça até que o cenário da minha primeira performance esteja pronta.
Sofía foi interrompida por um rapaz da produção que correu até ela e a avisou de que estava tudo pronto para ela se apresentar.
[SOFÍA] Bem… parece que a minha hora chegou. Estarei me arrumando e em breve vocês poderão ver a primeira performance televisionada do meu mais novo single, Juicio Final, uma parceria com o meu grande amigo AWA. Nos vemos em breve! Enquanto isso vocês vão ficar sob os cuidados desses supostamente artistas. Supostamente porque não há cultura nos Estados Unidos. Um beijo!
Os apresentadores esperam ela sair do palco e começam a fofocar entre si até que um deles olhou para a câmera principal e começou a falar diretamente com o público de casa, seu nome era Kenan.
[KENAN] Não se preocupem, pessoal. Isso é apenas um personagem dela. É claro que ela sabe que nos Estados Unidos tem muita cultura.
Do outro lado do estúdio, Sofía protesta reafirmando que o país realmente não tem cultura.
Sem graça, os apresentadores dão a deixa para que o próximo quadro fosse rodado.
O JULGAMENTO DE SOFÍA, POR SOFÍA
Em um estúdio composto por cerca de dez pessoas, Sofía estava no centro sentada em uma cadeira e, na sua frente, uma mesa pequena e retangular que continha uma pasta da cor preta. Era um cenário que se assemelhava ao de um tribunal e a ré era a própria artista. O seu olhar era forte e decidido para os seus acusadores. O aproximar da câmera nos rostos das outras pessoas ali presentes revelaram algo assustador: todas eram Sofía. Cada rosto era semelhante ao do outro, não havia diferença. Sofía estava sendo julgada por si própria.
O JULGAMENTO DE SOFÍA, POR SOFÍA
Em um estúdio composto por cerca de dez pessoas, Sofía estava no centro sentada em uma cadeira e, na sua frente, uma mesa pequena e retangular que continha uma pasta da cor preta. Era um cenário que se assemelhava ao de um tribunal e a ré era a própria artista. O seu olhar era forte e decidido para os seus acusadores. O aproximar da câmera nos rostos das outras pessoas ali presentes revelaram algo assustador: todas eram Sofía. Cada rosto era semelhante ao do outro, não havia diferença. Sofía estava sendo julgada por si própria.
[SOFÍA 1] Eu serei a juíza deste tribunal. Cada uma de nós lhe fará uma interrogação e as suas respostas serão analisadas friamente e seu destino lhe será dado ao final da sabatina. Está de acordo? Sim? Ótimo, então eu começarei com a rodada de perguntas e peço que seja a mais sincera possível.
A Sofía original assentiu.
[SOFÍA 1] Quando você aceitou o convite para apresentar esse programa era porque não tinha nada melhor para fazer em um sábado à noite?
[SOFÍA] Bom… sim. Estava entediada, mas eu preciso divulgar meu novo single que sai hoje à noite. Então eu aproveito essa plataforma de qualidade duvidosa para divulgar o meu trabalho. É puramente profissional, acredite. Eu não me submeti a isso caso não precisasse. Eu poderia estar me submetendo às perguntas da VARIETY, por exemplo, mas escolhi vocês. Era uma opção menos pior. Só não entendo o porquê de todas as juízes terem o meu rosto, mas como acredito que é um tentativa, talvez bem amadora, de chamar a atenção para um quadro que não me parece cômico nem chamativo.
Todas ficaram caladas.
[SOFÍA 2] Agora é a minha vez. Qual foi a última vez que você ouviu sua própria música no chuveiro e pensou: 'Não sei como isso fez sucesso'?
[SOFÍA] Nunca. Todas as minhas músicas fizeram sucesso porque mereceram. Agora, pensando a sua pergunta de outra maneira, eu não sei como Euphories conseguiu atingir o primeiro lugar nas paradas de música. Não é uma música ruim, mas o meu francês estava péssimo. E eu nem sei falar francês! A cada frase eu precisava do Google Tradutor para me corrigir. Fico feliz que tenham reconhecido o trabalho que tive de ficar 24h gravando a música. Foi um trabalho difícil, mas que hoje eu estranho todo o clamor por ela.
[SOFÍA 1] Quebrando a ordem, se permitem, há alguém por trás do seu sucesso?
[SOFÍA] Eu mesma. Você acha que tem alguém me protegendo nessa indústria? Quando eu demorei três álbuns para ganhar um dos prêmios principais no GRAMMYs? Todo mundo falava “meu deus, a Sofía” e só me davam prêmios de categoria secundária! Eu quase tive que fazer um pacto para que Mujer Bruja fosse um sucesso, imagina pensar que tem alguém por trás disso!
[SOFÍA 3] Outra questão pertinente. Como é usar de discurso feminista quando você só tem desavenças com mulheres?
[SOFÍA] Eu prefiro não falar sobre isso.
[SOFÍA 3] Mas vai ter que falar ou seu castigo será ter de ouvir o último álbum do Caleb.
[SOFÍA] Não, pera! Pelo amor de Deus! Calma. Não vamos nos estressar aqui. Respondendo a pergunta: eu não sou obrigada a gostar de outras mulheres apenas por serem mulheres. Eu tenho plena consciência política e social de tudo aquilo que digo e não retiro nada. Sou uma mulher feminista que, de vez em quando, se dá o direito de odiar outras mulheres. Assim como odeio homens igualmente. Era isso? Acabou, Sofía?
[SOFÍA 4] Humrum. Ordem nesse tribunal! Sofía, quantas você já roubou ideias de outros artistas e usou como suas?
[SOFÍA] Desculpe, eu só entrego excelência. Se eu copiasse alguém vocês saberiam, com certeza. Eu não tenho coragem de roubar a ideia de nenhum outro artista; e nem é por ética, é por bom senso mesmo. Se for para roubar, que seja algo bom. Eu parto do princípio que o furto é errado, sabe? Na minha família fomos criados com respeito aos outros e as suas coisinhas, por pior que sejam. No mais, não vou pegar ideia de ninguém; não me rebaixar tanto assim.
[SOFÍA 5] Você é tratada como uma pessoa agressiva, amarga e violenta. Um dos casos citados e lembrados é o momento em que você fez uma montagem de Hina Maeda falando da aparência dela. Você se arrepende disso?
[SOFÍA] Em minha defesa: não era montagem, era um retrato. E não, não me arrependo. A partir daquele momento eu percebi que deveria melhorar minha postura tendo em vista a melhoria das minhas relações pessoais. Eu sei que magoei o ratinho com a comparação, então eu logo tratei de doar dinheiro para associações animais para me desculpar por tamanha ofensa.
[SOFÍA 6] Você já teve que sorrir e agradecer por um prêmio que não merecia? Seja sincera.
[SOFÍA] Nunca! Eu já sorri e aplaudi alguém por um prêmio que eu merecia! É muito comum e justo achar que seu trabalho merece mais que o outro, não vejo isso como desmerecimento. Estamos lutando na arena pública para saber qual trabalho tem mais impacto ou é marcante. É claro que eu quero que os meus se sobressaíam em relação aos dos meus colegas. Assim como já vi notas que deram à músicas e álbuns meus e disse “adorei” quando, na verdade, odiei e discordei.
[SOFÍA 1] Interrompendo novamente, você costuma mentir muito não é? No que mais você mente?
[SOFÍA] Quando eu dizia que o meu primeiro e terceiro álbum tinha um conceito, quando na verdade não tinham. Há um certo desespero por conceito hoje em dia, acho uma balela, mas vende e rende pontos na escala artística. Então eu disse que tinha conceito, mas não tinha. Hoje tem? Eu digo que sim, mas se tem mesmo eu não sei. E não faço questão de descobrir. Gosto de fazer música boa e divertida, mesmo que seja falando sobre fazer feitiçaria com a bunda. É conceitual!
[SOFÍA 7] E qual foi o movimento mais sujo que você fez para obter sucesso na carreira?
[SOFÍA] Quando eu esqueci que abriria os shows da Tieta e, na verdade, tinha assinado contrato para participar de um reality-show. No fim foi uma decisão mais que acertada. Veja onde eu estou agora. Para falar a verdade eu realmente esqueci, mas tinha que dar uma desculpa para não parecer que eu era culpada. Funcionou? Não, mas eu tentei.
[SOFÍA 7] Esqueceu como?
[SOFÍA] A mona não tinha me dado nem data! Eu assinei o contrato e só soube que os shows já estavam acontecendo lá dentro quando a Brunninha Vittar, agora Bru, jogou na minha cara. Aí eu fiquei “o quê?” e a Bru “pois é”; e eu disse “como?” e ela “uhum”. Foi nesse momento que achei que seria eliminada do reality, mas o público acolhe alguém que chora, mente e põe a culpa nos outros pelos seus próprios erros. Eu teria ganho se não tivesse sido cancelado, certeza.
[SOFÍA 4] Dizem que o reality-show foi cancelado por sua causa.
[SOFÍA] Eu não tenho culpa se eu era amada pelo público de casa. Eu tenho carisma. Eu sou uma pessoa divertida, animada, supostamente lésbica, latina. Eu sou o combo do que as pessoas amam amar. Eu tenho relações públicas fortíssimas. O reality foi cancelado pois não aceitariam uma mulher latina, branca, supostamente lésbica, neta de camponeses e filha de pais queer como campeã! Eu sou injustiçada! AWA e eu seríamos, facilmente, top 2. E veja só: um gay e uma bissexual foram boicotados. Quem queria calar AWA e Sofía? Pois é.
[SOFÍA 8] É verdade que você se aproveita de polêmicas de outros para se promover?
[SOFÍA] É claro! Adorei quando o Caleb e a Harmon terminaram. Foi justamente na época em que lancei o meu álbum, foi um estouro! Poderia ter sido melhor, entretanto; o casal era tão ruim que nem para me engajar serviram. Tive que ir com o meu talento mesmo. Mas sempre que puder estarei intervindo nas polêmicas. Uma pena que tweets ofensivos não entrem para a contagem dos charts. Talvez aí o Caleb pudesse levar suas músicas ao topo das paradas. Infelizmente esse não é o caso, né. Para ele.
[SOFÍA 9] Você já foi acusada de comprar compositores fantasmas para as suas canções. Qual o posicionamento?
[SOFÍA] O meu posicionamento é: nota de repúdio. Eu paguei todos eles e todos receberam seus royalties pelas músicas compostas. E se eu coloquei uma vírgula na música, eu também escrevi. E quem vai dizer que não? Acho muito ultrapassado julgar cantor por não compor as suas próprias letras. Afinal, cantor é cantor e compositor é compositor. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
[SOFÍA 10] Dizem que você não gosta dos seus fãs, apenas finge para manter uma certa popularidade.
[SOFÍA] Eu não sou obrigada a gostar de todas as pessoas que aparecem na minha vida, né? Mas não é isso que vai me fazer maltratar alguém que me apoia. Mas sim, já fingi horrores e continuarei fingindo. Um dia me apareceu um rapaz com camiseta, bandana e até tatuagem… quando ele abriu a boca eu queria morrer. Chuto que havia dois anos que ele não escovava os dentes. E, não surpreendentemente, era francês. E não, não quero reforçar estereótipos, mas não é culpa minha se eles não sabem manter um mínimo de higiene.
[SOFÍA 1] Temos mais algumas perguntas antes do resultado do julgamento. Você está pronta?
[SOFÍA] Que engraçado, isso aqui me parece mais uma entrevista para tentar arrancar algo polêmico para repercutir na mídia e levantar a minha participação no programa.
[SOFÍA 2] Impressão sua, querida.
Todas as outras Sofía’s concordam.
[SOFÍA 4] É verdade que você já pagou para ter polêmica abafada?
[SOFÍA] Sim, todo mundo já fez. Inclusive, fiquei sabendo de uma ainda pouco… teve uma cantora, de nome oculto, que esteve grávida recentemente e abortou numa clínica lá perto de casa.
[SOFÍA 4] No México?
[SOFÍA] Não, na minha residência em Nova Iorque. Eu já tinha ido nessa clínica. Não, não foi para abortar, mas por curiosidade minha mesmo. Inclusive, super seguro e higiênico. Tratamento humanitário para humanos, não para fetos. Voltando à fofoca: ela está sumida da mídia ultimamente e não quer que saibam de seus deslizes amorosos. Esse deslize amoroso é casado e muito famoso também. Fica com vocês descobrirem quem é quem.
[SOFÍA 4] Isso realmente é verdade ou você inventou?
[SOFÍA] Olha, aí fica para vocês descobrirem. Essa é a minha estratégia; eu falo fake news e falo muitas verdades também. Cada um sabe como vive a vida e eu vivo assim.
[SOFÍA 6] E quando você subornou a RR para criticar o seu álbum positivamente?
[SOFÍA] Não deu certo, né. A crítica nem saiu. Mas paguei sim, estava precisando me sentir segura no meu trabalho e uma crítica positiva iria me ajudar. Era paga? Era, mas eu iria fingir empolgação do mesmo jeito. O metacritic não deixou porque descobriu a tramoia e impediu que fizessem a avaliação do disco. Infelizmente sempre tentando calar a latina aqui.
[SOFÍA 8] Há algum arrependimento de quando você mobiliza sua fanbase para atacar outros artistas?
[SOFÍA] Veja, eu parto do princípio de que todes são adultos e sabem aquilo que estão fazendo. Eu nunca fiz nada ou dei a entender que meus admiradores atacassem meus rivais, por mais que eles mereçam; se isso aconteceu não foi por culpa minha, mas por um senso de justiça apurado e correto a respeito das minhas rivalidades interpessoais. Eu não me considero responsável por isso, meus fãs são responsáveis e se tiverem de processar alguém, processem eles.
[SOFÍA 10] E o convite pro SUPERBOWL? Foi comprado?
[SOFÍA] Então foi o dinheiro mais mal pago que eu já dei, viu. Achei que iam colocar todas as músicas do álbum no top 10 e recebi flop. Adorei o show, mas achei que eu poderia ter feito mais, sabe? Achei simples demais para um evento tão grande. Mas, como falei no meu documentário, fui muito boicotada por interferências externas na apresentação. Só para saberem do que estou falando: queriam que eu fizesse uma apresentação americanizada, mas eu não iria me submeter a isso. A primeira coisa que eu fiz depois do show, além de comemorar, foi voltar ao México e minha abuela disse “que bom que você não voltou americanizada”.
[SOFÍA 10] Qual o nome da sua avó?
[SOFÍA] Margarida. Mas pode ser conhecida também por Carmem Miranda. Brincadeira!
[SOFÍA 5] Dizem que o seu relacionamento com a EMÍ foi apenas marketing, está correto?
[SOFÍA] E deu certo como marketing? Gente, por favor! Eu preciso que parem de pensar que há um interesse de mercado em meus relacionamentos. Eu nunca me relacionaria com alguém apenas para ganhar pontos de fama! Até porque isso nem entra na contagem. Não seria bom nem para mim, nem para a EMÍ nos expor dessa maneira se fosse uma coisa falsificada, certo? Não tem sentido!
[SOFÍA 5] O mais engraçado disso tudo é que a única que fala sobre o relacionamento é você e não ela.
[SOFÍA] Isso não é culpa minha, mas da gravadora que não investe nela. Eu sei que tem um garoto que agencia a carreira dela e o esforço em levá-la aos programas deveria ser dele, mas dela também, claro. Ele parece muito preguiçoso. Já conversei com ela sobre isso e ela me disse que tem preguiça de dar entrevistas e coisas do tipo. Não dá para forçar alguém a trabalhar, não é mesmo. Mas de dinheiro eu sei que ela não precisa, já que se recuperou de um golpe e agora abriu uma startup que eu soube que tá rendendo muito dinheiro a ela. O negócio é baseado em uma pequena cafeteria que faz crepes em formatos de pênis e vagina, se chama La Pirocaria.
[SOFÍA 8] Quanto de autotune você utiliza em seus shows ao vivo?
[SOFÍA] Eu não utilizo autotune nos meus shows, desculpe. Eu tenho habilidades vocais o suficiente para segurar um show de duas horas com facilidade. Eu sei que tem gente que não consegue, mas não é o meu caso. Gosto muito de cantar e não abro mão disso por máquina nenhuma. Veja, meus shows tem um preço acessível, não são tão caros, e meu público espera que eu dê o meu melhor: e o meu melhor é o gogó que Deus me deu.
[SOFÍA 8] É verdade que você só doa para caridade por causa das deduções fiscais?
[SOFÍA] Que falta de respeito! Eu doo para a caridade porque gosto e sinto um dever político e social nessas ações. Olhar para mim e levantar esse tipo de suposição é, para além da insensibilidade, uma irresponsabilidade. Sabemos que há pessoas que se aproveitam dessa brecha na lei para não pagar impostos, mas te garanto que não sou uma delas. Tenho muita responsabilidade com as coisas que eu me dedico. E uma delas é na responsabilidade política em dedicar boa parte do que arrecado financeiramente em projetos de proteção aos direitos de minorias sociais que sofrem diariamente com as injustiças sociais e políticas.
[SOFÍA 10] De quantos esquemas de corrupções você já participou para crescer na indústria musical?
[SOFÍA] Nenhum? O que eu fiz para ter dado a entender que sou capaz de participar de algo do tipo? Perdão, mas não sou do tipo de artista que precisa disso. A minha carreira foi difícil e tudo que conquistei foi com muito esforço. Me jogaram pedras e eu fumei, e os paus eu pus na boca, mas isso me fez uma mulher forte, empoderada e repleta de experiências que apenas poucas tem. Sou grata pelo esforço que tive e sei que não precisei de esquemas de corrupção para ocupar o meu lugar de direito.
[SOFÍA 8] Quais drogas você toma antes de realizar seus shows?
[SOFÍA] Nenhuma, mas não tenho nada contra quem usa, inclusive tenho até amigos que fazem uso desse tipo de substância, mas eu não. Eu me entorpeço com a energia incrível que os meus fãs me dão no período anterior aos concertos. Sempre acompanho a movimentação que eles fazem no hotel e nas redes sociais e isso me anima muito. Não preciso de nenhuma substância para ter energia ou algo do tipo. E para lidar com a ansiedade, tenho sempre meus ansiolíticos na bolsa para tomar a qualquer momento.
[SOFÍA 9] Acompanha tanto os seus fãs que fugiu deles no WATERBOMB, né?
[SOFÍA] Olhe, eu já expliquei o motivo de ter feito tudo o que fiz. Estava atrasada por uma série de motivos e, caso eu desse atenção a todes que ali estavam, iria me atrasar mais ainda. Não fui má nem nada do tipo. E vejam que eu comecei a me apresentar quase quatro horas da manhã, quando meu horário era às 20h! E ainda teve uma explosão de um cano de água no evento, sabe? Eu acredito que meus fãs entenderam as motivações para eu ter fugido da forma que fugi. Ainda não tive tempo para olhar todas as mensagens e menções deles sobre o show nesse festival em específico, mas pretendo olhar e refletir sobre tudo o que me pontuaram. Tenho respeito a todes que me acompanham e não faria nada que pudesse machucá-los.
[SOFÍA] Silêncio! O julgamento está encerrado. A sua pena é… assistir ao Juízo Final de camarote!
PERFORMANCE - JUICIO FINAL
PERFORMANCE - JUICIO FINAL
A cena é cortada para um cenário que se assemelha a de uma floresta que foi reproduzida em um espaço pequeno, de proporções diminutas e quase fantasiosas demais. A grama era extremamente esverdeada e, ao seu redor, flores coloridas, pequenas e repletas de luz em torno de si para dar destaque em meio ao breu que o cenário estava imerso. No centro da “floresta” havia uma árvore negra, a copa da árvore era repleta de folhagens esverdeadas em um tom escuro mais escuro que a própria noite. Outros elementos presentes no espaço decoravam o chão ao redor como, por exemplo: cogumelos de plástico, estrelas coladas no céu e que brilhavam sem cessar. Para complementar o cenário quase assombroso, a fumaça produzida por máquinas buscavam aprofundar a pequena floresta.
Um holofote incidiu sobre a árvore negra e revelou o corpo de uma mulher deitada em suas raízes. Era Sofía. Aos poucos ela ergueu a sua cabeça e olhou para os lados como se não soubesse onde estava. Ela se levantou cambaleando e parecia estar errado. Sofía vestia um vestido longo da cor bege, quase transparente, mas não o suficiente para ver suas partes íntimas. Os seus pés a levariam até a parte de trás da árvore quando, de repente, uma dor pareceu atingir o seu corpo que a fez cair no solo repleto de gramíneas artificiais. As câmeras mostravam algo em suas costas: duas elevações negras estavam prostradas em sua coluna, algo parecia estar falando ali. Ainda caída no chão, a câmera capturou quando ela achou uma pena negra e seus olhos se arregalaram instantaneamente.
A neblina se intensificou e quase não podia se ver mais nada além do esbranquiçado da fumaça. O corpo de Sofía se fez invisível sobre a cortina de fumaça que tomou o espaço visual à sua volta. Não demorou muito tempo para que ela voltasse à vista do público. Dessa vez, segurava um microfone em uma de suas mãos e estava pronta para iniciar a sua performance. A única novidade era um bailarino que estava vestindo apenas uma bermuda rasgada, também da cor bege, ao seu lado. O seu peito desnudo arfava. A versão ao vivo se manteve da mesma forma que a original lançada há meses atrás. Os primeiros versos da faixa correspondiam ao pré-refrão, cantados original pelo brasileiro AWA e transmitidos via caixas de som instaladas no cenário e para o público. Sofía e o seu dançarino realizaram passos típicos da bachata quando a voz do cantor soou as primeiras palavras. Os movimentos eram lentos, porém fortes. A sensualidade exalava entre os dois.
Quando foi a vez de Sofía cantar, ela se desenrolou de seu parceiro de performance e se preparou para cantar uma de suas faixas favoritas com perfeição. Não houve dificuldades para retomar o ritmo iniciado pelo brasileiro, como se a própria estivesse cantando desde o início. Sofía iniciou a performance com o refrão e, nesse momento, todos os elementos do cenário se acenderam brevemente com as luzes instaladas ao seu redor. A árvore central tinha, na superfície de suas folhas verdes escuras, pequenos pontos de luzes também esverdeadas que lembravam vagalumes. Enquanto isso, o dançarino a rodeava realizando alguns passos de dança e Sofía mexia o seu corpo e o seu quadril enquanto proferia as palavras. A performance continuou apenas com a presença dos dois no palco e eles mostravam uma cumplicidade ímpar. A voz de Sofía era leve e captava a atenção pela perfeição que demonstrava no controle vocal enquanto realizava passos da coreografia sem mostrar cansaço.
Houve um pico de energia a partir do segundo verso em que Sofía dançava e cantava ao mesmo tempo. Mas a coreografia exigia demais de seu corpo, mas mesmo assim, não mostrava sequer um pingo de exaustão em si. Novamente, a parceria e a harmonia com seu parceiro transparecia durante a coreografia. Ao seu redor as luzes continuavam a piscar e, na árvore, algo a mais pareceu acender. Uma luz alaranjada foi vista na retaguarda do tronco escuro e as chamas que outrora eram invisíveis se faziam ver sem qualquer dificuldade. Os segundos que separam a árvore de estar completamente em chamas foram poucos e sincronizados com o momento em que o último refrão da faixa começou a ser cantado. Sofía largou os vocais e iniciou um número de dança quente, envolvente e profissional. A sua performance não era apenas a de uma cantora que dança, mas a de uma dançarina profissional. As mãos do rapaz tocavam firmemente em seu corpo, sempre de maneira respeitosa e colaborativa. Sofía também o tocava como se estivesse adorando uma deidade.
A árvore continuava a queimar incessantemente e o seu calor reverbera diretamente no suor que encobria o rosto de ambos que ali estavam. Sofía sorria incessantemente enquanto o parceiro parecia mais compenetrado. Ela resgatou o microfone e cantou os versos finais com excelência. Em seu rosto era possível visualizar a sua realização com o que acabava de fazer. Mas a performance não havia acabado. O instrumental da faixa se estendeu, assim como o momento de dança. Dessa vez, contudo, dois casais de bailarinos entraram em cena e complementam a coreografia. Todos, com exceção de Sofía e das duas mulheres, vestiam apenas a parte de baixo da roupa, uma bermuda da cor bege. Os homens tinham seu torso despido e as mulheres usavam vestidos semelhantes ao de Sofía. As chamas continuavam a arder e passavam às gramíneas em seu entorno.
Os casais se mexiam com o balançar dos corpos de maneira harmônica e sensual. Os homens pareciam estar dançando conforme as suas parceiras os conduziam. Era uma transgressão à uma norma socialmente aceita de que as mulheres deveriam ser conduzidas, não conduzir. A performance trouxe à tona um cenário idílico em que as normas sociais não fossem correspondidas. Sofía estava representando o anjo caído e, enquanto cantava sobre um amor proibido que seria julgado no juízo final, ponha um fim, mesmo que por um breve momento, às amarras que colocavam em suas costas. O corte de asas era uma representação da restrição de liberdade dos corpos, das almas e do pensamento por ideias dominantes na sociedade, mas principalmente às de cunho religioso.
Quando o fogo atingiu todo o cenário já não era mais possível ver nenhum corpo dançando por ali. Não havia mais nada vivo que não estivesse coberto pelas labaredas de chama. Era a etapa final. O Juízo Final. Não era o fim, mas um recomeço para aquelas que acreditaram um dia que tudo estava perdido. Nesse momento, a imagem do fogo foi sobressaída por outras que mostravam vislumbres do videoclipe da canção. Nesses vislumbres, diversos casais dançavam ao som da canção. Eram casais que representavam uma forma de viver a vida além de preceitos limitadores de certo ou errado. Não havia pecado e, por consequência, nem pecadores; apenas aqueles que se entregavam ao desejo de amar. Essas palavras foram ecoadas através da voz de Sofía. O silêncio se fez enquanto um take da artista em algo que parecia um jardim, coberta sobre um filtro preto e branco, encarava a câmera. A performance, enfim, se encerrou.
DIARIO SCANDAL (SÍ, EN ESPAÑOL)
O próximo ato do programa trouxe Sofía de volta como uma apresentadora de telejornal. Ao seu lado, um dos apresentadores recorrentes do SNL sorria de forma estranha para a câmera. O que parecia ser a abertura do programa tocou com imagens de ambos os apresentadores em poses sérias. O nome do telejornal era “Diario Scandal (sí, en español)” e levava os nome de Sofía e Théo James como os principais elaboradores.
[SOFÍA] Iniciamos mais uma edição del Diario Scandal (sí, en español), pois eu só aceitei fazer esse programa se pudesse falar espanhol sempre que quisesse. Para aqueles que chegaram aqui neste momento, eu lamento por isso. Aqui nós abordamos com um toque de humor nada respeitoso as últimas notícias do mundo em que vivemos. Há algo que você queira falar, Théo, antes que possamos iniciar as nossas discussões?
O homem fez com que sim com a cabeça mas, ao abrir a sua boca, Sofía o interrompeu e introduziu a primeira notícia do dia.
[SOFÍA] Há cerca de dois dias o Brasil vem enfrentando uma tempestade provocada por homens homossexuais. A comunicação do governo enviou nota ao nosso jornal explicando os últimos acontecimentos e as medidas tomadas por eles para o enfrentamento a essa situação de calamidade pública. Théo, o que eles falaram sobre o ocorrido?
[THÉO] De acordo com as informações enviadas pela comunicação da presidenta Erika Hilton, o fenômeno é apenas mais um de muitos que acontecem anualmente no país. Apesar da situação, reforçam que a situação está sob controle e que logo tudo estará resolvido. Eles explicam que o fenômeno se trata de uma respostas de gays passivas e versáteis à shows de cantoras pop realizados gratuitamente na praia de Copacabana. O epicentro dos tufões provocados é na cidade do Rio de Janeiro.
[SOFÍA] Nossa! Que perigo! E como esses tufões se formam?
[THÉO] Com a batida do leque dos gays.
Nesse momento, Théo retira debaixo da mesa um leque e o abre, fazendo com que Sofía tomasse um susto. A câmera mostra que o leque reproduzia uma imagem da própria artista.
[SOFÍA] Bom, não posso dizer que você não tem bom gosto. Mas, continuando, quais medidas estão sendo tomadas pelas autoridades para pôr fim a essa confusão?
[THÉO] O governo está oferecendo um mês gratuito do Grindr Plus para que os gays deixem o local o quanto antes e passem a colocar suas vidas em risco por uma foda meia boca. Além disso, a presidenta Erika confirmou que todos os cuidados estão sendo tomados para que nenhum ânus seja prejudicado no processo. Kits de lubrificantes e camisinhas estão sendo distribuídos gratuitamente nas regiões mais atingidas.
[SOFÍA] Muito bom! É importante pensar no futuro daqueles que estão dando tudo de si, literalmente, para salvar a economia do terceiro mundo. Aliás, falando em terceiro mundo, há informações recentes que falam que o tráfico de perucas cresceu significativamente na Colômbia. O que nós podemos inferir sobre isso?
[THÉO] Esse crescimento é responsabilidade de drag queens que estão entrando no país com estoques clandestinos dos produtos. Há informações que garantem que apenas uma dessas pessoas trouxe duzentas e duas perucas, duzentas estavam em suas malas e as outras duas estavam alocadas em sua genitália. Ao ser parado pela polícia, o meliante informou que preferia não se depilar e por isso o volume de pelos pubianos, mas a policial que acompanhava a operação desconfiou do depoimento e meteu a mão na calça do rapaz.
[SOFÍA] Ela meteu a mão?
[THÉO] Isso mesmo!
[SOFÍA] Passada! E o que aconteceu com o rapaz?
[THÉO] Ele foi levado para ser julgado pelas autoridades competentes. Nos disseram que a sua situação na prisão é confortável, mas que ele se recusou a despir-se das perucas em sua genitália. Ele alegou relação afetiva com os cabelos de plástico.
[SOFÍA] Ah, não eram cabelos humanos?
[THÉO] Nem de longe!
[SOFÍA] O que explica esse movimento diretamente para a Colômbia, Théo?
[THÉO] As gravações de um reality-show chamado RuPauls Drag Race. Há um estúdio que utilizam para gravar todas as temporadas latinoamericanas, então há um trânsito intenso de gays de peruca e sem peruca indo para a localidade. O governo colocou um imposto sobre os produtos, mas os gays acharam um jeito de burlar e conseguir chegar ao seu destino sem pagar absolutamente nada!
[SOFÍA] E quando menos poderíamos imaginar, as gays nos surpreendem!
[THÉO] Saindo da América Latina e indo para a Europa, o primeiro animal não-humano foi eleito como presidente na Bósnia. A disputa foi resolvida através de uma disputa entre o candidato Benjamin Arrola Duran e o gatinho chamado Astolfo. Ambos foram desafiados a lutar e, o primeiro que conseguisse derrotar o adversário, seria considerado presidente. O gato Astolfo venceu sem maiores dificuldades. Na internet a sua vitória foi comemorada e, no Twitter, a hashtag #PsiPsiPsi dominou os assuntos mundialmente.
[SOFÍA] Ah, que fofo! E qual a cor dele? Espere, deixe eu advinhar… laranja?
[THÉO] Isso mesmo! O agora empossado presidente gato Astolfo fez o seu discurso imediatamente após a derrota de Benjamin Arrola Duran. O pronunciamento foi curto e composto por miados duros e fortes, mas suficientes para o público entender as direções que tomaria nos primeiros momentos de seu mandato. Ele prometeu que criaria uma grande caixa de areia para os gatos sentirem-se livres para fazer suas necessidades, além de realocar recursos financeiros para a distribuição gratuita de sachês alimentícios para os bichanos.
[SOFÍA] E os humanos, Théo?
[THÉO] Se fodam todos eles!
[SOFÍA] Na órbita de Marte, astronautas norte-americanos são os primeiros a tirar selfies com seres vivos extraterrestres. A foto acompanha a legenda #FuckURSS, o que indica que a história não é o forte dos estadunidenses, haja visto que a URSS não existe mais desde 1991.
[THÉO] Seres vivos extraterrestres?
[SOFÍA] Isso mesmo! Anteriormente havia apenas selfies realizadas com seres mortos extraterrestres. Agora, a sede por sangue da humanidade cedeu à calmaria e deixou os et’s vivos. É um grande passo para a humanidade não exterminar uma comunidade apenas por eles serem diferentes.
[THÉO] Falando em grande passo, mas não para a humanidade, mas para as máquinas. Em Madrid moradores estão assustados com um relógio que, diariamente, desperta todo o território com um toque estranho e esquisito. Alguns chegaram a dizer que se pareciam com as músicas de um certo artista ao qual não iremos nomear aqui por questões éticas. O relógio, aparentemente, ganhou vida própria e não responde mais aos comandos de seu humano original.
[SOFÍA] Que interessante! E que horas ele acorda toda a Madrid?
[THÉO] Às quatro e vinte da manhã, se você crê. A população também reclama de uma névoa estranha que tem como fonte uma taverna na qual jovens emos se reúnem. A polícia até tentou impedir a reunião desses jovens, mas eles logo foram capturados pela lombra da fumaça. Não é possível uma aproximação há muitos dias. Os residentes estão preocupados com o impacto psicológico e humano desses movimentos.
[SOFÍA] Em relação ao relógio não tenho nenhuma opinião, mas aos jovens eu conclamo a todas as mães que busquem seus filhos nessas tavernas. Não que eu esteja dizendo que mulheres devem prestar-se ao papel de educadoras irrestritas, mas sabemos que para qualquer emo ou nerd basta apenas a figura de uma mulher líder para tirá-los do eixo.
[THÉO] Ainda na Europa, é inaugurado o primeiro restaurante gourmet para lagartixas. O empreendimento é considerado pioneiro na área e foi aberto em Paris, bem pertinho da torre eiffel. Os donos do restaurante falaram que a iniciativa se deu pela população de lagartixas crescentes nas paredes de ferro da torre.
[SOFÍA] Mas é um restaurante gratuito? E o que eles oferecem para as lagartixas?
[THÉO] Bem, há um plano governamental que subsidia refeições para as lagartixas menos favorecidas economicamente. O restaurante, além de oferecer experiências gastronômicas espetaculares, fornece aos seus consumidores atividades recreativas como lançamento de moscas, pinturas de caldas e, tido como a principal diferença do lugar, há shows realizados por gafanhotos fêmeas. Após o show, as lagartixas comem os gafanhotos, literalmente.
[SOFÍA] Ah, que legal! Bom saber que a gastronomia está se adaptando aos novos sujeitos que surgem mundialmente. Falando em adaptação, recebemos notícias quentíssimas de que governos mundiais estão em contato com o governo brasileiro para a transferências dos gays de leque para reverter o aquecimento global nas geleiras da Antártida.
[THÉO] Como assim?
[SOFÍA] Ainda não há acordo oficial, mas nossas fontes nos disseram que a ONU já estabeleceu os primeiros contatos com a presidenta Erika Hilton. A ideia é que a força dos leque possa subverter o calor extremo pelo qual as geleiras estão sendo assoladas nos últimos anos. A atuação destes indivíduos na transformação do clima do Rio de Janeiro chamou a atenção das maiores autoridades do mundo como uma alternativa ao superaquecimento do planeta terra.
[THÉO] E como fica o pacote do Grindr?
[SOFÍA] Vai sobrar mais para você, Théo. Tenho certeza.
[THÉO] Ótimo! Estamos nos aproximando do fim dessa edição do jornal, mas ainda temos a notícia do dia: superestrela da música pop está preparando um grande movimento tendo em vista a dominação mundial.
[SOFÍA] E quem é ela, Théo?
[THÉO] A mulher jamais falada. A menina jamais igualada. Conhecidíssima como a noite de Paris. Apertada como uma bacia. Enxuta como uma melancia. O seu nome é Sofía!
[SOFÍA] Oh, lamento dizer mas não tenho pretensão alguma de dominar esse mundo terrível. Se for para dominar algo, que seja algo bom.
[THÉO] E quais são seus verdadeiros planos, minha querida?
[SOFÍA] Bem, estou planejando tirar férias no Hawai e, talvez, casar com alguma pessoa rica e viver de herança até onde der. Talvez eu dê uma pausa na minha carreira de cantora em breve.
[THÉO] Por quê?
[SOFÍA] Para não ter que me submeter a esse tipo de coisa para ganhar pontos em charts.
[THÉO] É compreensível. E com isso finalizamos mais uma edição deste jornal, cujo título é em espanhol e eu, por ser estadunidense, tenho intelecto limitado para falar qualquer idioma além do meu nativo, então não o repetirei. Agradeço a presença dessa grande estrela que é Sofía e até a próxima!
UNA ENTREVISTA CON ROBOT
O programa retorna ao palco principal. A plateia aplaude quando todos os comediantes e Sofía estão sentados em um sofá azul de camurça e estão falando tão baixo que nenhuma palavra é entendida. Um deles finge não perceber a plateia e faz cara de surpresa, alertando, em seguida, seus colegas para a presença de outras pessoas à sua volta. Todos se assustam e se ajeitou na cadeira como se nada houvesse acontecido. O público ri. Havia, ao todo, sete pessoas no sofá, sendo eles: Kenan, Tori, Théo, Théo II, Klayna, Jasmine e Sofía. A artista estava sentada no meio.
[THÉO] Sabe, foi muito difícil pensar em segmentos para que pudéssemos tirar o máximo da Sofía. Ela nunca apresentou talento para a atuação e não sabemos como a Netflix a convidou para estrelar um filme.
[SOFÍA] Eu também não sei, mas agradeço pelo convite. Amo vocês, Netflix!
[KENAN] Tendo esse impasse, resolvemos seguir por uma linha mais tradicional que é a de um programa de entrevistas. Mas não qualquer programa de entrevistas: as perguntas serão feitas por um robô. E temos mais! Sofía deverá responder todas as questões mentindo sobre elas!
A plateia ri e aplaude. Neste momento, um membro da produção traz uma boneca mal feita, embrulhada por papel alumínio e uma peruca de plástico loira. O seu “rosto” era composto por um círculo mal cortado de EVA e seus olhos, nariz e boca desenhados com canetinhas.
[SOFÍA] Que fofa! Ela tá usando uma peruca das drag queens da Colômbia. Achei representativo.
[JASMINE] Latin power, querida!
[KENAN] Podemos começar, Sofía?
[SOFÍA] É claro!
[ROBÔ] Olá, Maria! É um prazer conhecê-la! Fui programada para lhe fazer questões e você, como já deve saber, deverá respondê-las ao contrário: todas as suas respostas devem ser o exato oposto daquilo que você responderia com honestidade. A primeira pergunta é: como você aguenta conviver com tantos artistas sem querer morrer?
[SOFÍA] Eu amo todos eles, Rô. É muito fácil viver com esse grupo tão diverso e acolhedor. Me sinto uma irmã de cada um, sabe? A forma com que todos me tratam é incrível. Eu não sinto vontade de morrer, muito pelo contrário, há uma injeção de ânimo em mim toda vez que ouço os meus colegas cantando. É sempre um prazer, por exemplo, dividir o espaço da indústria com artistas tão incríveis. Sou abençoada e agradeço todos os dias pelos encontros que a música é capaz de proporcionar. Quem iria imaginar que juntar todo tipo de gente normal, e gays, poderia dar certo?
[JASMINE] Oh, isso foi tão profundo e pessoal. Ela realmente ama conviver com todes!
[ROBÔ] A próxima pergunta é: o quanto você ama o seu primeiro álbum? e o que ele reflete para você hoje?
[SOFÍA] Eu amo o meu primeiro álbum e nunca senti vergonha por tê-lo lançado! Eu poderia fazer igual a Chelsea e fingir que nunca lancei um trabalho tão… tão e recomeçar e fingir que meu segundo álbum era, na verdade, o meu debut. Sou feliz pelas escolhas que fiz no passado e não mudaria nada. SPOILER é um álbum único de tão bom! Hoje eu vejo que era uma menina mulher forte e empoderada, e as escolhas de músicas foram ímpares.
UNA HISTORIA DE TERROR ESTADOUNIDENSE
O robô, que ia tentar formular a próxima pergunta, parou de funcionar de repente. Do corpo do aparelho uma cortina de fumaça preta começou a se estender por todo o palco. Todos começaram a gritar a correr para longe da névoa. A câmera acompanhava Sofía e os efeitos de imagem assemelhavam-se a de um filme de terror cult. O foco era no rosto de Sofía, com a adição de takes em slow motion e em preto e branco. A sua corrida a levou até um estacionamento vazio. Ela não parou um segundo sequer para olhar para trás. Ao olhar para suas mãos percebeu algo estranho: as suas unhas foram pintadas com a imagem da bandeira dos Estados Unidos. Um grito alto e assustador saiu de sua boca. Nesse momento, o que pareceu ser o logo de um programa de comédia foi estampado na tela “Um conto de terror americano”. Ao ver o nome do programa, posicionado sobre o seu corpo, Sofía se mostrou indignada.
[SOFÍA] Que americanos são esses? São os do sul, do norte ou do Caribe? Ridículos! Estamos em 2028 e essa prática de centralizar os Estados Unidos como sinônimo de “América” é ultrapassada. E foda-se que o nome do país é Estados Unidos da América. Mudem esse título agora!
O título mudou instantaneamente para “Um conto de terror estadunidense” e Sofía se mostrou satisfeita com a mudança. O logo sumiu e a cantora se viu sozinha naquele local. O único barulho que ela podia ouvir era o de sua própria respiração ofegante. Aos poucos ela ia abarcando todo o cenário com passos vagarosos. O seu semblante era curioso e cauteloso. Um barulho chamou a sua atenção e, ao olhar para a sua retaguarda, enxergou o que pareceu ser um espírito de uma mulher. O corpo flutuava e estava coberto pelo que pareciam ser musgos esverdeados. Os seus longos cabelos negros escorriam por toda as suas costas e seus olhos não possuíam íris.
[SOFÍA] Olá! Quem é você?
A mulher não falou nada, apenas chorou. E chorou. Sofía caiu no chão com o impacto sonoro emitido pela mulher desconhecida. Em seu rosto transparecia uma dor inimaginável e seus gritos cobriam todo o espaço disponível. A mulher parou de chorar e não fez mais nada. Como se nada houvesse acontecido, Sofía se levanta e se dá conta de que estava na presença de um ser mitológico, uma bruxa. Era a figura da Chorona, a mulher que matou dois filhos afogados e vagava pela terra chorando eternamente por sua perda.
[SOFÍA] Oh, díos mío! Mi madre! Mãezinha! Sou sua fã, sempre esperei o dia que eu pudesse vê-la. Quase tentei fazer projeção astral, mas nunca consegui me concentrar na tarefa. O que tu faz aqui, mona?
A Chorona pareceu não entender absolutamente nada do que a cantora falou e ficou em silêncio durante alguns segundos. A sua voz rouca e fantasmagórica, enfim, falou.
[CHORONA] Tava com frio, mulher. Vim procurar uma fogueira para me aquecer. Viver em riachos e piscinas não é lá uma coisa muito confortável. Você sabe onde tem um barril para que eu possa colocar fogo?
[SOFÍA] Ah, não sei. Estava em um incêndio ainda pouco, mas parece que o fogo cessou e eu vim parar aqui. Aliás, como você chegou até aqui? Achei que demônios só aparecem à noite.
[CHORONA] Demônio é a sua mãe, vagabunda! Me respeita.
Sofía se desculpou.
[CHORONA] Eu peguei e saí da minha casa. Muito comum, aliás. Eu só nunca tive esse tipo de contato que estou tendo com você agora, por exemplo. Sempre passava entre as pessoas e elas gritavam, eu matava algumas crianças e era isso. Como você consegue falar comigo?
[SOFÍA] Não sei, amiga, nunca tive esse tipo de contato sobrenatural. Talvez seja o nosso sangue latino nos juntando.
Antes que pudessem continuar a imagem fantasmagórica de uma mulher negra, de idade avançada e que carregava consigo uma cesta de pães se aproximava de ambas as mulheres. Era uma desconhecida e o seu andar era tão vagaroso que Chorona e Sofía se juntaram para jogar cartas até que ela chegasse até onde estavam. Quando isso aconteceu, cerca de quinze minutos depois, as duas estavam sentadas em torno de uma mesa de mogno preta. A nova mulher se sentou ao lado de Chorona.
[SOFÍA] É… olá! Quem é a senhora? Nós podemos lhe ajudar?
[TIBUCA] Meu nome é Tibuca, não preciso de ajuda, obrigada! Eu queria ter deixado aquela menina infeliz apodrecer com o esporão do trigo!
Os olhos de Sofía se arregalaram e um sorriso de animação apareceu quando reconheceu a senhora.
[SOFÍA] É você mesmo, MEU DEUS! Chorô, ela é uma das mulheres que foram acusadas de bruxaria em Salem e foram condenadas por isso. Bicha, tô toda arrepiada. Acho que já entendi o que está acontecendo aqui. Estamos em uma convenção de bruxas.
Em seguida, uma outra mulher surgia no espaço e olhava para as suas companheiras com um olhar de superioridade e arrogância evidentes. Ela aparentava mais ou menos sessenta anos, mas estava toda durinha. Então ela sentou-se ao lado de Sofía e pôs ambas as mãos na mesa.
[MORGANA] Olá, pobres coitadas! Eu me chamo Morgana LeFay e não entendo o porquê estou nesse lugar imundo, com companhias tão desprezíveis.
[SOFÍA] Agora dá para entender porque o Merlin te trocou por um dragão, mulherzinha sebosa.
Morgana ia retrucar quando uma chama irrompeu na entrada do estacionamento vazio. Era uma mulher branca, de cabelos tão brancos quanto a neve. Ela tinha uma aparência sofrida, com queimaduras aparentes e profundas. O seu nariz parecia quebrado e seus olhos estavam tristes. Sem falar com nenhuma das outras presentes, ela se sentou e falou com um sotaque afrancesado.
[MIMA] Eu sou Mima. Fui queimada na fogueira por ser supostamente bruxa.
[SOFÍA] Você eu não conheço.
[MIMA] É claro que não conhece! O público só conhece essas mulheres velhas e horrendas da história e não àquelas que foram injustamente condenadas apenas por serem quem são. Eu fui morta em São Paulo, no Brasil, ainda no século XVII. Tibuca e eu somos as únicas inocentes nessa mesa. Mas é claro que você não conhece, sua ratazana imunda!
[SOFÍA] Espero que você tenha sofrido horrores, então. Velha, maldita. Será que falta mais alguém? Já não aguento mais a presença de certas pessoas.
[MORGANA] Acho que não virá mais ninguém, infelizmente. Não sei o motivo de estarmos todas reunidas nesse recinto, mas já adianto que não estabelecerei conversas com meras mortais. Eu sou muito melhor que isso e não tenho motivos para estabelecer conversações com pessoas menores.
[MIMA] Sei lá, talvez você tenha que ficar quietinha. Estamos todas mortas e não há nada que te faça pensar que você é melhor que todas nós. Você é apenas mais uma.
[CHORONA] Isso mesmo! Estamos todas no mesmo barco e não há ninguém aqui melhor que a outra.
[TIBUCA] Não vamos brigar, pessoal! Temos que buscar uma resposta para essa reunião tão urgente.
[MORGANA] Okay! Primeiro, vamos pensar no que temos em comum para esse reunião: somos todas mulheres tidas como bruxas por nossas sociedades. Eu realmente era bruxa, mas isso não vem ao caso.
Todas concordam até que percebem uma possível intrusão na reunião. Os seus olhares voltaram-se ao corpo de Sofía e ela se assustou com a repentina atenção dada por todas as mulheres ali presentes. Foi Chorona quem a interrogou primeiro.
[CHORONA] E você quem é? Como você foi morta?
[MORGANA] Espere! Você não é aquela que está saindo por aí dizendo que é uma bruxa, quando na verdade é só seu computador que está com vírus, é?
[TIBUCA] O que é um computador?
[SOFÍA] Não, essa é a Hina. Eu sou Sofía. Neta das bruxas que não conseguiram queimar. Eu lancei uma música sim, mas com muito respeito a todas vocês. O nome dela é Mujer Bruja e foi uma homenagem a todas as mulheres tidas como bruxas pela sociedade, mas que, quando foram chamadas assim e condenadas por supostos crimes, precisavam ser acolhidas e não apedrejadas. Eu assumi a persona de bruxa para ressignificar uma imagem que é, infelizmente, vista como maléfica.
Todas ficaram caladas e olharam para a cantora, aparentemente, sem entender nada do que ela disse anteriormente. Ela suspirou e falou novamente.
[SOFÍA] Em resumo, fiz uma música sobre ser uma mulher taxada como “maldosa”. E fiz muito dinheiro com elas, irmãs. Doei boa parte dos lucros para instituições sérias.
[TIBUCA] Você pode cantar? E ainda ganha dinheiro com isso?
[CHORONA] O mundo tá perdido, né, menina. Onde já se viu?
[SOFÍA] É a Chorona ou a Michele Bolsonaro?
[MORGANA] Silêncio! Isso não importa. Se estamos reunidas aqui hoje é por um motivo e alguma de nós deve saber o porquê. Esse encontro não se deu ao acaso e estou ávida por vingança.
[SOFÍA] Vingança de quê, maluca?
[MORGANA] Por me obrigarem a ficar tão próxima de seres tão inferiores a mim. Não suporto estar na presença de pessoas tão vis e medonhas como vocês. Uma é uma assassina de crianças que mesmo depois de morta e enterrada continua matando; a diferença é que agora mata as crianças dos outros. A outra é uma maluca que resolveu fazer um bolo para uma criança esquizofrênica e acabou morta. Burra! Uma prostituta confundida com uma bruxa e…
[SOFÍA] Eu sou essa última?
[MORGANA] Não, você é a ordinária que pensa estar fazendo um grande estardalhaço com essa história de “ressignificar” o significado de bruxa. gim
[TIBUCA] E você, o que é?
[SOFÍA] Essa eu sei! Uma feiticeira fracassada que perdeu os poderes para um homem velho moribundo. Ou seja, é tão ordinária quanto qualquer uma de nós.
De repente, uma voz grossa e robótica se fez ouvir no cenário.
[VOZ] Vocês todas foram reunidas aqui para uma missão especial. Há um papel que cada uma deve desempenhar nessa narrativa.
[MORGANA] Ora, quanta audácia! Imagina pensar que obedecerei alguém que sequer tem um rosto.
[VOZ] Você vai me obedecer quer queira ou não, Morgana. Aqui você não manda em absolutamente nada. Deve responder a mim como senhor ou mestre, com a voz aveludada. E silencio! Vocês não saberão seus reais papéis até que a história seja cumprida.
Houve uma discussão generalizada entre as mulheres e Sofía parecia estar absorta em seus pensamentos. Então, como se nada a impedisse, correu até a porta mais próxima que viu de si. Ninguém fez nada para impedi-la e ela entrou em um corredor escuro. Assim que trancou a porta sentiu um alívio, mas a adrenalina em seu corpo a impedia que continuasse a ficar parada. Correu, correu e correu mais até chegar a outra porta. A abriu e viu que estava em uma biblioteca gigantesca. As estantes eram tão altas que o seu final não podia ser visto de onde estava Sofía. Temerosa, caminhou pelo local e avistou uma mulher branca como a neve, de cabelos loiros encaracolados e rosto suave e simpático. Utilizava um vestido azul e branco e, na estampa de sua roupa, havia imagens pequenas dos símbolos de jogos de carta. Era Alice e Sofía a reconheceu de imediato. Sem parecer se incomodar com a chegada da estranha, Alice continuou o seu trabalho: recolocar os livros em seus lugares originais. Após depositar um dos livros em um espaço vazio, dirigiu seu olhar para a cantora e falou calmamente.
[ALICE] Imaginei que não aguentaria ficar perto daquelas mulheres por tanto tempo, Sofía. Sou muito sua fã, sabia? O Chapeleiro também te ama.
[SOFÍA] Obrigado! Eu acho… Alice, certo? Você pode me dizer o que é esse lugar e porquê estou aqui?
[ALICE] O palco pegou fogo, você desmaiou e não tornou desde então. Essa é apenas uma alternativa do seu cérebro para lidar com o apagão repentino. Em breve você retornará a consciência.
[SOFÍA] Então é tudo imaginação?
[ALICE] Não achou que era real, né? O programa precisava de um segmento de dramaturgia então bolaram essa situação. Gostou?
[SOFÍA] Não muito, mas tudo bem… Posso perguntar o que exatamente você faz aqui?
[ALICE] Bem, eu organizo livros e recebo visitas inconvenientes quase todos os dias. Esse é o meu destino cruel de acordo com as diretrizes do conselho de contos de fadas.
[SOFÍA] Ah, beleza! Então, como eu faço para sair daqui? Eu tô meio perdida e ainda tenho uma música para cantar antes do programa acabar.
[ALICE] Você não pode sair, querida. Aqui é a sua última parada.
Alice sorriu. E Sofía caiu em si. Era a última parada pois seria atacada pela figura de Alice que, externamente era apenas uma loira branca dócil, mas em seu âmago carregava uma sede por sangue incontrolável e feroz. O local, que antes parecia gigantesco, agora não passava de um cubículo na qual ambas as mulheres se enfrentam pelas suas vidas. Então, em um rompante de coragem, Sofía atacou Alice. Com um forte empurrão conseguiu derrubá-la no chão e a encheu de tapas em sua face branca. A loira conseguiu desvencilhar-se e jogou no rosto de Sofía o livro que acabara de guardar: Harry Potter e o Enigma do Príncipe.
[SOFÍA] Além de assassina ainda apoia essa autora transfóbica. Ordinária!
Sofía partiu para cima de sua algoz novamente. Dessa vez, Alice a segurou pelos cabelos e a rodopiou até que saísse voando pela sala e esbarrasse em uma parede. Sofía, toda descabelada e arfando, jogou um gato azul que estava ali perto no rosto de Alice. O animal acertou em cheio a loira que caiu no chão com o impacto da obesidade do gato azul. Ambas estavam cansadas e dispostas a tudo para conseguir o que queriam: Sofía sair dali viva e Alice queria o corpo de Sofía para si. As duas mulheres se preparam para enfrentar uma a outra em um embate direto. Como se fossem duas gladiadoras, estavam no centro da arena dando tudo de si para alcançar seus respectivos objetivos. Até que, em um momento de deslize de Alice, Sofía mordeu a sua orelha, a arrancou e a cuspiu em sua cara. A loira caiu no chão gemendo de dor, enquanto Sofía olhava vitoriosa para a sua adversária com sangue pingando de sua boca. Uma porta magicamente apareceu no fundo da biblioteca e, sem pensar duas vezes, Sofía entrou e a bateu.
PERFORMANCE - NO SÉ CUANDO SE ACABÓ
No novo cenário tudo parecia normal. Ela estava bem vestida, sem sangue na boca e a produção do programa estava encaminhada. Um dos funcionários a viu e a alertou para que pudesse se apresentar no palco em instantes a segunda música da noite e assim Sofía o fez.
PERFORMANCE - NO SÉ CUANDO SE ACABÓ
No novo cenário tudo parecia normal. Ela estava bem vestida, sem sangue na boca e a produção do programa estava encaminhada. Um dos funcionários a viu e a alertou para que pudesse se apresentar no palco em instantes a segunda música da noite e assim Sofía o fez.
Ela foi posicionada em um conversível que estava parado na frente de uma tela verde de tamanho grande. Toda a dimensão do veículo estava sobre a tela verde. Então, simulando uma estrada e que o carro estivesse em movimento, a performance teve início. No Sé Cuando Se Acabó pertencia à trilha sonora de um filme da Netflix. Sofía além de cantar a canção principal, era a protagonista da película. Os primeiros versos soaram calmos e lentos enquanto a artista sentava-se no banco do motorista. Como se fossem naturais, pingos de chuva irromperam sobre o seu cabelo, bem como do automóvel. Sem se importar com as gotículas de água, a viagem continuava. A câmera focaliza principalmente os gestos e o semblante da artista.
Após o primeiro refrão, Sofía saiu do carro e se deslocou para a frente do automóvel. A sua voz rasgava o cenário potente e, ao mesmo tempo, delicada. A forma como se movia no palco era encantador e a sua presença preenchia todo o espaço tão habilmente que qualquer um duvidaria se não fosse gravado. A canção era complementada com cenas do filme exibidas na tela de verde. Enquanto cantava, Sofía foi abordada por seis bailarinos que dançavam à sua volta. A cantora sorriu quando os viu e a sua energia no palco aumentou. Assim que o refrão chegou ela, com a ajuda de dois dançarinos, subiu no capô do carro e continuou a cantar. A chuva parecia se intensificar e todos os integrantes se molhavam. A faixa se aproximava de seu fim quando tudo escureceu de repente.
A escuridão abrangeu o local por cerca de dez segundos e voltou tão repentinamente quanto sumiu. Sofía desafiou a sua voz até o limite possível e mostrou o seu poder enquanto vocalista. Luzes que imitavam raios invadiram o cenário e transformaram a experiência visual do público. Enquanto se aproximava do fim, Sofía desceu do capô e se posicionou na frente da câmera e cantou os últimos versos olhando diretamente para a tela. O seu rosto molhado e o cabelo escorrido, juntamente à uma maquiagem borrada, foram a última coisa que o público visualiza antes do comercial.
UN DÍA MUSICAL EN EL TRABAJO
Assim que voltaram do comercial o cenário era o de um grande supermercado, quase como um Walmart. Na verdade, a câmera mostraria depois, o nome do comércio era Walmart, mas havia pouca diferença para o original. O quadro a seguir consistiu numa esquete musical na qual os empregados do supermercado cantavam sobre as situações cotidianas que passavam em seu ambiente de trabalho. O público acompanhou todos eles desde a sua entrada, pela manhã, até o fechamento. A primeira pessoa que vemos é Sofía, a gerente, sendo a encarregada por abrir o estabelecimento. Logo atrás dela vieram outros empregados, apresentadores do programa, para dar início ao dia de trabalho. A primeira movimentação da protagonista foi a de ir até sua sala para organizar a lista de afazeres de seus companheiros de ofício. Assim que finalizou, ela pediu para que se reunissem em sua sala para os comandos.
[SOFÍA] Bom dia, pessoal! Espero que estejam todes bem e prontos para mais um dia. Hoje será um dia especial, pois estamos nos preparando para receber o nosso primeiro espetáculo musical: Fornax e os seus gatinhos. A banda será a primeira a se apresentar no nosso salão especial. Então ficaremos responsáveis pelos preparativos, ok? As ordens lá de cima dizem que não aceitam nada menos que a perfeição e, justamente por isso, estarei acompanhando o desenvolvimento das atividades para garantir que tudo esteja em seu devido lugar. Alguma dúvida?
Ninguém sinalizou dúvidas e todos foram para os seus postos de trabalho. Sofía acompanhou um deles que estava se preparando para limpar os banheiros reservados à banda. Os dois chegaram ao sanitário e viram uma situação calamitosa. Eles se entreolharam e o primeiro número musical se iniciou. Foi ela, Sofía, primeira a cantar sobre a visão dos infernos que estava vendo e que ela preferia não participar da faxina. Em seguida, o funcionário que a acompanhava teve seu momento solo para dedicar-se à música. Temeroso, pegou o cabo da vassoura e o usou como microfone enquanto olhava para a bagunça com tristeza.
Não, não sei quando será possível
Limpar esta parede incorrigível
Há merda para todo lado, todo lado
E eu só sinto o cheiro de merca acumulado
A sua performance prosseguiu cantando sobre como o seu trabalho era difícil e, que pelo trabalho que estava fazendo, deveria receber um aumento. A cena ficou mais clara para o público à medida que a câmera capturou mais detalhes da cena. Havia duas cabines que estavam em situação de barril: o primeiro deles estava com a porta quebrada e era possível ver o sanitário repleto de papel higiênico em seu interior, seguido por um pato de borracha amarelo nadando na merda.
Pobre pato amarelo, sozinho
Neste lugar de uma batalha vencida
Boiando sobre o seu próprio vazio
Aguardando o herói que será seu guarda
Ele retirou o pobre pato amarelo de seu calvário e o lançou diretamente a um saco de lixo que havia trazido consigo. O refrão da canção chegou quando ele teve que desentupir o vaso e, chorando, explorou notas altas e todo o conteúdo lírico de uma faixa digna de GRAMMY’s
Mãos tão sujas e atadas pelo ardor
Ardor de uma vida de dor
Dor de um trabalho sem esplendor
Esplendor de uma vida incolor
Havia, contudo, cor: a cor do cocô colada na parede. Algo que parecia ser uma cobra marrom subia pela parede, viva. Não era um animal, mas um dejeto humano que havia criado vida para sair daquela situação. O que mais impressionou foi que o próprio cocô também cantava e estava como backing vocal do homem. O funcionário não apenas cantava, como dançava e utilizava do rodo como sua companheira. Iniciaria o segundo verso mas, de repente, escorregou e foi ao chão. Como aliado de um momento melancólico, as luzes se apagaram e apenas um círculo de luz iluminava o rosto do rapaz. Ele olhou diretamente para a câmera enquanto cantava.
Dor, só sinto dor
Esplendor de um trabalho em vão
Amanhã aqui chegará um cagão
Dorme neném que o furacão logo chegará
A música não fazia sentido, mas a cena, no geral, também não. Ele conseguiu se reerguer e continuou a performance enquanto organizava e limpava o banheiro. As duas cabines estavam limpas e ele suspirou quando a música cessou. Estava tudo limpo, mas havia algo que o incomodava. Uma jaqueta azul descansava no ladrilho azul. Lentamente ele se aproximou da peça de roupa e o instrumental da canção retornou a ser reproduzido. Lentamente, pôs suas mãos na peça de roupa e descobriu algo que o fez soltar um agudo: uma cueca suja. O agudo durou cerca de dez segundos ininterruptos até que ele desmaiasse.
Quando acordou tudo parecia ser apenas um sonho: todo o banheiro estava limpo e não havia mais jaqueta, nem cueca freada. Ele sorriu aliviado e saiu do recinto sorrindo. Ao bater a porta do sanitário encontrou Sofía o esperando sentada numa cadeira de praia, bebendo uma caipirinha. Ela não pareceu surpresa com a chegada do rapaz.
[SOFÍA] Que bom que você terminou, querido. Estava aqui acompanhando com afinco o seu trabalho. Estou orgulhosa por você.
[THÉO] E você, sei lá, não quis me ajudar?
[SOFÍA] Eu tentei, mas assim que abri a porta você estava cantando para uma jaqueta azul e imaginei que deveria ser um momento privativo para você. Estava esperando apenas para te dizer que estou indo acompanhar a Jasmine lá no estoque.
Eles se despediram e a cantora foi na direção do estoque. Quando ela chegou no local a trabalhadora já estava com uma lista em mãos para catalogar todos os produtos faltantes ou em excesso. Ela não notou a entrada de Sofía no recinto e a cantora não fez questão de anunciar sua entrada. Ela se sentou numa cadeira no canto esquerdo e apenas ficou olhando a funcionária. Ela cantava algo de conhecido para o público, mas a letra era impossível de ser distinguida entre os sussurros até que a sua voz aumentou e a letra de outro musical se iniciou.
Há produtos de sobra nesse depósito
Ele, contudo, está tão sujo quanto meu propósito
E qual é ele? Nem eu mesma sei
Ando a esmo enquanto finjo que sei
Sofía ergueu a sobrancelha, mas não falou nada. Jasmine continuou a sua performance entre as prateleiras lotadas. A atriz passeava entre os produtos de limpeza e se jogou sobre um deles seguindo o ritmo mais pop da canção. Interpretava uma popstar dos anos 2000, dançando como alguém que estivesse sendo eletrocutada. Do seu cabelo retirou a xuxinha de elástico que o prendia em um rabo de cavalo e o soltou. Das suas madeixas longas e negras, contudo, alguns objetos saíram, como: um prêmio GRAMMYs da própria Sofía, algo que parecia ser um vibrador pontiagudo e um pato amarelo de borracha! Jasmine transitava entre os produtos de limpeza até que abriu várias garrafas de sabão líquido e os despejou no chão.
Juntamente ao impacto do líquido com suas botas esverdeadas, Jasmine deslizou sobre o chão facilmente enquanto continuava a cantar. Sofía continuava a observar toda a situação calada. Jasmine era uma estrela, sem dúvidas. Já havia largado a prancheta com a lista e segurava um vidro de detergente e o utilizava como microfone. A câmera focaliza seus pés deslizando na gosma que ela mesma despejou no solo. Em um momento crítico estava lado a lado a uma prateleira repleta de sucrilhos e, se desequilibrando no sabão, derrubou a prateleira e o seu show acabou com ela percebendo a presença de Sofía onde estava.
[SOFÍA] Querida, duas coisas: onde você pegou esse GRAMMYs e o que está acontecendo aqui?
[JASMINE] Tava lá no chão e eu peguei emprestado.
[SOFÍA] Sem pedir?
[JASMINE] Sim, peguei emprestado. Já ia devolver, senhora. E sobre o que está acontecendo aqui… eu não sei explicar, perdão.
Sofía suspirou pesadamente.
[SOFÍA] Tudo bem. Darei um tempo para que você arrume toda esta bagunça e faça o que lhe foi pedido. Termine todo o serviço até às 18h50 e nos encontre no salão de reunião para os informes para amanhã. Vou acompanhar o trabalho de Kenan no escritório agora. Qualquer problema você pode me contatar através do celular, está bem?
Ela seguiu para o escritório e encontrou o funcionário absorto em uma tarefa que parecia ser difícil. Sofía olhou e viu que ele estava realmente trabalhando e sentou-se em uma poltrona próximo a ele. Ela parecia querer falar, mas não sabia como abordar o funcionário. Ele logo percebeu e deu entrada para que ela pudesse expressar os seus sentimentos.
[SOFÍA] Sabe, há algo de muito estranho acontecendo nesse supermercado hoje. Há algo de… musical no ar. Você não sente? Théo e Jasmine, por exemplo, estão se sentindo duas estrelas da Broadway ou cantores premiados. E não que isso seja um problema, mas tudo me parece… musical demais. E olha que amo musicais! Mamma Mia é o meu favorito.
[KENAN] Sério? Eu não notei nada diferente, chefa. Muito pelo contrário, tudo na mais santa paz.
[SOFÍA] É… talvez seja só impressão mesmo. Acredito que é a pressão para que tudo saia perfeito para o nosso evento. E justamente por ser um evento musical estou sentindo toda essa atmosfera.
[KENAN] O pessoal comentou que estavam muito animados para os próximos dias mesmo, mas não acho que seja um problema tão grande assim, sabe? Há muito tempo que não tínhamos um evento desse porte aqui no trabalho.
[SOFÍA] Aliás, como era o trabalho aqui antes da minha contratação?
[KENAN] Não havia nada de muito diferente, querida. Toda a nossa equipe é exatamente a mesma desde então. Nossos lugares marcados na mesa e nossas vozes sempre harmônicas quando precisamos gritar.
Sofía estranhou a última frase e passou a olhar desconfiada para o homem à sua frente. Seus olhos se estreitaram quando ele sorriu desconfiado. A mulher olhou para a sua volta procurando algo que pudesse denunciar algo de estranho, mas não encontrou absolutamente nada. Ela suspirou e olhou para o seu celular. Não havia nenhuma mensagem e isso a alertou.
[SOFÍA] Obrigado por me ouvir, Kenan. Estarei lhe deixando a sós para continuar o seu trabalho. Está bem?
Kenan concordou com a cabeça e sorriu enquanto ela saia da sala. Após o fechamento da porta, o sorriso se desfez e a câmera focou na tela do computador. O que antes era repleto de planilhas foi substituído por uma tela que refletia a própria imagem do apresentador. Ele começou a cantar sobre a própria aparência e como ele era espetacular. Em um momento de sua performance ele levantou da cadeira e se prostrou em frente a um espelho oval colocado na parede mais próxima dele. As suas mãos se aproximaram do objeto e ele parecia tentar seduzir o público enquanto contava sobre seus dotes domésticos. A câmera capturava toda movimentação do funcionário no escritório nos mínimos detalhes.
A imagem focalizou nas meias que ele usava e revelaram a estampa do rosto da própria Sofía na roupa. Kenan continuou a sua performance com força e ainda cantava sobre a sua própria beleza. O escritório que estava arrumado logo conheceu a bagunça que seria feita por Kenan. Ele subiu na mesa e jogou o computador que utilizava diretamente no chão. No corredor, Sofía ouviu o barulho e foi na direção do som. Ela chegou até o escritório e conseguiu flagrar o rapaz jogando papéis sobre a sua cabeça. Ela não interrompeu de imediato, mas tossiu para que ele pudesse notar a sua presença no recinto.
[SOFÍA] Kenan, me encontre na sala de reunião, por favor. Vamos adiantar o nosso encontro para agora!
Na cena seguinte, todos os funcionários estavam reunidos em uma sala de reunião de tamanho médio, decorada com vários cartazes com o nome do supermercado. O semblante de todos era de total preocupação enquanto a presença de Sofía emanava algo de opressor. A postura altiva da gerente intimidava seus funcionários. A cantora parecia esperar que mais alguém se fizesse presente na sala. Quando Théo chegou, todos ali presentes levaram as mãos diretamente aos seus narizes indicando que o funcionário, apesar de ter lavado todo o banheiro, não havia lavado a si mesmo. Sem se importar com o forte odor, Sofía iniciou seu discurso.
[SOFÍA] Há algo de muito estranho acontecendo nesse supermercado, pessoal. Encontrei alguns de vocês cantando e dançando enquanto realizavam as tarefas que os encarreguei de fazer nesta manhã; há problema? Não, mas o problema é que, juntamente com a performance de vocês, veio um furacão de bagunça. Nessa empresa prezamos pela organização e pela limpeza. É imperdoável que você, Jasmine, desperdice tantos produtos alimentícios e de higiene para deslizar no chão. E você, Kenan, quebrando computador e jogando papéis no chão como se eles nascessem em árvore?
[KENAN] Mas eles nascem…
[SOFÍA] Isso não importa! O que quero lhes dizer é que por mais que vocês estejam animados com o show de amanhã, não podem transformar esse local de trabalho em um grande musical. Sejamos justos: não faz sentido cantar e dançar enquanto você está organizando planilhas de preço. Não estamos em um filme ou em um programa de comédia decadente, pessoal.
Todos ficaram calados e ninguém conseguiu falar mais. Jasmine, contudo, em um rompante de coragem se levantou e, ao invés de falar, cantou.
Não há espaço para arte ou talento no trabalho
Relegados a um futuro de paz vazio e esgotado
Não há espaço para arte ou talento no trabalho
Relegados a um futuro de paz vazio e esgotado
Para a surpresa de Sofía, os demais funcionários seguiram a atitude de Jasmine cantando o mesmo verso ininterruptamente. Furiosa, ela interrompeu e ela mesma começou a cantar.
Chega! Não há lugar para rebeldias
Sejam obedientes todos os dias
Cantando e dançando suas cabeças vazias
Chega de dançar e passem a trabalhar
A partir daí, as vozes se desarmonizam e uma verdadeira batalha se instaurou entre gerentes e funcionários. Kenan foi o primeiro a atacar diretamente Sofía lançando uma cadeira em sua direção. A cantora desviou e retribuiu a cadeirada que acertou o funcionário e o deixou desmaiado. Jasmine foi ao enfrentamento com a chefe cantando sobre tirania e falta de respeito à arte. Sofía retrucou com um verso inteiro sobre obediência e organização no ambiente de trabalho. O Ministério do Trabalho estaria orgulhoso! A cantora, então, subiu em uma das mesas e realizou notas altas, mas tão altas, que os vidros que os cercavam quebraram com o impacto das ondas. Os funcionários se esconderam no chão para não serem atingidos com as partículas cortantes do vidro.
Se instaurou ali, naquela sala de reuniões, uma guerra entre funcionárias e gerente. As armas? Eram as palavras cantadas por todos que ali estavam. Sofía se destacava vocalmente, mas os versos dos funcionários além de agressivos, eram engraçados. A performance corporal de todos demonstraram uma entrega sem igual ao que se propunham. Cadeiras voavam em câmera lenta, sapatos e botas atingiam os rostos de cada um também em câmera lenta. Quem estava ganhando? Ninguém sabia. Sofía, contudo, se viu encurralada por uma horda de seis funcionários. Ela, então, correu em direção ao corredor.
No corredor, todos os funcionários estavam em seu encalço cantando e dançando como em um musical. Sofía estava na dianteira fugindo de seus subordinados e, para atrapalhar a sua corrida, derrubava objetos para que o caminho fosse coberto por obstáculos. Eles chegaram, de fato, ao supermercado e todos se separam entre as prateleiras dos produtos dispostos. Sofía cantava temerosa sobre como o seu trabalho era difícil. Ao andar entre as prateleiras olhava para o lado e para trás para se proteger de possíveis ataques surpresas. Jasmine, então, a viu na seção de laticínios. Ela retirou um queijo vegano, pois Sofía era vegana, e lançou na direção das pernas da cantora que, com o impacto, foi levada ao chão imediatamente. Ela, contudo, levantou sem problemas e correu. Não havia saída aparente para aquela situação e a cantora continuou a correr e a se esconder entre os produtos vendidos no estabelecimento comercial. Ela entrou no corredor de papelaria e buscou algo para se defender, mas logo se defrontou com a escassez de possíveis ferramentas.
[SOFÍA] Droga! Assim não terei como me defender desses esquisitos. Até parece que fiz algo demais com todos para ser tão atacada dessa forma. Apenas reclamei daquela cantoria desenfreada e sem sentido. As rimas eram péssimas e as situações eram, para dizer o mínimo, constrangedoras.
Ela seguiu para outra localização sem nada em suas mãos. Já em outro corredor, situada na seção de panificação, Sofía encontrou com Kenan e ele segurava duas baguetes em cada uma das mãos. Ele as pretendia utilizar como espada. Olhou para o lado e viu uma ciabatta retangular e imaginou que ele serviria como um escudo; assim como se apossou de uma baguete integral para investir ataques contra o seu opositor. Ambos entraram em uma luta de pães intensa. Ele desferiu golpes rápidos e fortes, mas Sofía era tão hábil na proteção que nenhuma de suas investidas era realmente eficaz. Ele foi pego de surpresa quando, parecia ter finalmente acertado um golpe nela e se deixou falhar momentaneamente; aproveitando a brecha, Sofía enfiou a baguete em sua boca e correu. Mas, antes de sumir por completo, falou.
[SOFÍA] Engole essa baguete!
Sofía continuou a correr sem destino. Ela ia sair da loja até que uma outra funcionária, desconhecida até por ela própria, entrou em seu caminho na porta que dava acesso aos fundos do estabelecimento. Não havia qualquer sinal de humanidade naquele ser obscuro. A sua voz, cantada, saiu de sua boca sombria e fantasmagórica.
Este é o seu fim, doce querubim
E quem diria que você seria pega por mim
Acabou, it’s over, doce querubim
Sofía arqueou uma de suas sobrancelhas, impressionada pela rima ridícula que acabou de ouvir. Mas ela não se assustaria facilmente. Visualizou o cabo de uma vassoura próxima de si e a tomou como arma. Ela ameaçou a funcionária com o pau. E, para a surpresa de Sofía e do público, a garota caiu de joelhos e começou a chorar compulsivamente. Por um breve momento a cantora baixou sua guarda e foi atacada por uma baguetada em sua cabeça. Desacordada, foi arrastada de volta até a sala de reuniões. Sofía foi acorrentada a uma cadeira de metal ainda desacordada. Aos poucos ela foi acordando e viu que todos os sete funcionários estavam a seu redor cantando. Ela gritou e gritou. Ninguém a podia ouvir, cujos gritos estavam sendo facilmente abatidos pelas vozes harmônicas dos outros. Eles, então, ergueram a cadeira de metal e começaram a chacoalhar o objeto e a cantora. As correntes se soltaram e Sofía caiu no chão. Todos ficaram em silêncio observando a sua gerente se erguer com dificuldade, mas a raiva emanava de seu corpo esguio. Todos sentiam e todos correram para se esconder. Em um ato impulsivo, a cantora se dirigiu até o setor de álcool em gel e se pôs a despejar litros do produto em toda a extensão do estabelecimento para, em seguida, jogar fogo. Ela saiu do estabelecimento e trancou todos. Ou era o que ela pensava que tinha feito. Assim que saiu do local viu que todos os sete funcionários estavam acompanhados da polícia. Ela foi presa e colocada em um carro de polícia. Ao verem a sua gerente algemada e o supermercado pegando fogo, todos cantaram.
QUEIMAAAAAAAAA!
O quadro se encerrou e todos estavam de volta ao palco principal do programa para o segmento de despedida.
[THÉO] Hoje tivemos o prazer de receber uma das maiores artistas do mundo em nosso programa. Sofía, você realmente é incrível. Nós agradecemos pela paciência e por incorporar como ninguém nunca fez antes o espírito desse programa.
[SOFÍA] Essa foi uma das melhores e mais loucas experiências que já tive na vida, sério. Todas as vezes que pensava em vir para cá, mas a agenda não me permitia, pensava em todos os personagens que poderia interpretar e em como seria engraçado compartilhar desse momento com artistas tão incríveis.
[KENAN] Vai soar repetitivo, mas nunca é demais dizer o quanto você é talentosa e dedicada em tudo o que se propõe a fazer. Nós fomos muito felizes nesse pouco tempo que pudemos dividir com você.
A plateia aplaudiu e gritou em concordância.
[SOFÍA] Eu quem agradeço, de verdade! O programa de hoje é muito especial pois foi me dada a oportunidade de apresentar, pela primeira vez, o meu novo single, Juicio Final. É uma parceria com o meu grande amigo AWA e fala sobre como um amor pode ser lido como pecaminoso ou errado, mas no fim, todos seremos julgados pelos nossos atos e espero que possamos nos dar a oportunidade de errar.
[JASMINE] Ficamos sabendo que vem um clipe polêmico por aí?
[SOFÍA] Amanhã! Será um curta-metragem e abordará alguns elementos polêmicos. Gravamos boa parte dele em uma igreja na Espanha e que já está recheada de polêmicas idiotas. Não houve nenhuma intenção de maldizer ou nada do tipo, mas fez sentido para o que a música quer passar. Teremos também, depoimentos de pessoas associadas ao pecado diante de ditames religiosos, é um dos meus melhores clipes e está emocionante!
[KENAN] E o quê mais de novidades você pode nos contar?
[SOFÍA] Hum… eu não sei [risos]. Eu quero que todes aproveitem o que estou planejando no momento certo. Mas posso adiantar que a versão deluxe do álbum está finalmente sendo preparada, em processo bastante adiantado até.
[THÉO] Há algo mais, contudo, que nós queremos falar, certo? Sofia, você será a nossa voz.
[SOFÍA] Sabemos que há conflitos ceifando a vida de inocentes em praticamente todo o mundo, mas alguns nos chamam a atenção por serem claramente um projeto de extermínio organizado e financiado por governos do dito “primeiro mundo”. Temos que olhar para o que está acontecendo na Faixa de Gaza e nos posicionamos contrariamente ao genocídio de palestinos e palestinas. Não é uma guerra de território ou guerra religiosa, mas um massacre. Não há luta quando um dos lados é incapaz de se defender frente ao poderio militar do outro.
[JASMINE] É importante que olhemos para a situação e, para além da mera observação, devemos nos posicionar frente ao extermínio. O silêncio é também uma forma de apoio e mobilização favorável ao genocídio. É inconcebível que hospitais, escolas e residências sejam destruídos por bombas. É inconcebível que crianças estejam sendo mortas. É inconcebível que toda uma população esteja à mercê de interesses de governos como os Estados Unidos e o do estado ilegítimo de “israel”.
[SOFÍA] Pedimos que todes que nos assistem agora possam se posicionar contrariamente ao massacre e ajudar da maneira que puder. Não temos o poder de um Estado organizado economicamente e militarmente, mas, através do protesto popular, podemos fazer com que nossas vozes ecoem mais forte e mais amplamente. Estejamos todos unidos para proteger a vida dos inocentes, não apenas em Gaza, mas em todas as localidades.
[THÉO] Há um motivo pelo qual dedicamos o ato de encerramento do programa para esse recado.
[SOFÍA] Todos nós, bem como a cúpula do programa, acordamos que seria um momento para unirmos esforços mundialmente para nos posicionarmos contrário aos mais recentes ataques em Gaza. Por isso, convocamos todes para um protesto no Central Park em que poderemos nos indignar e mostrar para os governos de todo o mundo a nossa força e mobilização.
[JASMINE] Não há possibilidades de um mundo que a justiça reine, sendo que há territórios e pessoas sendo destruídos por bombas todos os dias. Não podemos permitir que os ataques continuem a ceifar vidas de inocentes. Junte-se a nós na próxima quarta-feira às 17 horas.
[SOFÍA] Apenas juntos poderemos pôr fim a essa guerra cruel, violenta e injusta. Sejamos o bastião da mudança positiva para nossos irmãos palestinos. Levantam-se e rebelem-se contra as injustiças. É preciso e urgente!
Após as falas dos apresentadores, um pequeno vídeo foi reproduzido para o público da plateia e o público de casa. Nesse vídeo os destroços de uma praça de uma escola infantil eram perceptíveis. Não havia nada que pudesse ser reaproveitado e, para o público de casa, apenas a imaginação poderia reconstruir o que um dia fora o local de diversão e risos infantis. Externamente à praça, um grupo de voluntários buscam por sobreviventes enquanto familiares ou amigos de desaparecidos choravam desesperados. Os limites haviam sido rompidos desde muito tempo por “israel” e a sua máquina genocida.
No palco principal do programa, Sofía estava sozinha para encerrar as atividades do programa com mais um recado. O seu semblante, apesar de sério, mostrava um leve sorriso no canto esquerdo da boca. Em seu peito estava preso um bottom cujo dizer era “I Stand Palestine”. As demais câmeras do programa mostravam que os demais integrantes do cast do SNL também vestiam o bottom como acessório. Na plateia, havia distribuição para que todos pudessem demonstrar o apoio aos palestinos.
[SOFÍA] Antes de nos despedirmos, enfim, gostaria de falar, também, sobre as atividades que estarei desenvolvendo para arrecadar fundos para auxiliar as vítimas dos ataques do governo de “israel” aos palestinos. Todas as minhas rendas obtidas em publicidade, turnês e canções serão revertidas em doações para as vítimas do conflito. Esta noite ainda uma versão remix do meu novo single será lançada e todo o dinheiro será revertido para a causa do povo palestino. Convido a todes para se juntarem às forças que se posicionam frente ao genocídio. Que a alegria que vocês puderam ter hoje neste programa possa se estender aos nossos irmãos e irmãs palestinas.
O programa encerrou com a plateia e os apresentadores batendo palmas para a bandeira da Palestina. No canto inferior do vídeo havia um QR CODE que dava acesso à uma petição que pedia o cessar-fogo urgente em Gaza, bem como um link de acesso para doações diretamente às vítimas dos bombardeios.