Ao ser anunciada, Brü aparece em m holograma com uma barriga de grávida representando Aqualtune, princesa do Congo que foi presa e vendida como escrava reprodutora no Brasil, que já chegou grávida na fazenda qual havia sido vendida. Ela se movia lentamente enquanto a sua roupa esvoaçava, com a voz dela mesma recitando parte da performance. O holograma sai da cena vez ou outra, cortando a imagem para a Brü de verdade no palco.
— Era um sonho dantesco o tombadilho, que das luzernas avermelha o brilho, em sangue a se banhar. Tinir de ferros estalar do açoite, legiões de homens negros como a noite, horrendos a dançar. Negras mulheres, suspendendo às tetas. Magras crianças, cujas bocas pretas, rega o sangue das mães. Outras, moças, mas nuas, espantadas, no turbilhão de espectros arrastadas, em ânsia e mágoa vãs.
Brü se sentava e era possível ouvir uma sonoplastia de tiros, aparecia um holograma de mulheres negras correndo deles, passando na tela colocado de trás pra frente, como se elas estivessem voltando para onde estavam antes de ouvir os tiros e gritos de horrores, sendo acolhidas por Brü que estava ao centro, ainda representando Aqualtune.
— Mais princesas a venda, acorrentadas em um carro de boi, mas isso nunca mudou. A verdade é que em todo carro da polícia é um pouco navio negreiro. Independente de qual posição social estejamos, os olhares, as revistas e os tiros, sempre serão direcionados primeiro para nós. George Floyd, Breonna Taylor, João Pedro Matos Pinto, Amarildo de Souza, Adama Traoré estão entre as vítimas letais do racismo aqui na América, no Brasil e ao redor do mundo. —
À medida que a música começa, a iluminação do palco mudava para um tom sombrio, com feixes de luz vermelha e azul piscando, evocando as sirenes da polícia, mesmo com a atmosfera de deusa que Brü passava com suas vestes. Brü se levantava lentamente e sua expressão de dor se transformando em determinação e raiva. Ela se senta em uma cadeira que está sobre uma mesa enquanto cantava as primeiras frases de De Onde Vinham?, se mantendo parada enquanto performa apenas com suas expressões faciais.
Eu botei os pés ali, naquela calçada
Onde estavam os homens, um aberto leilão
Eu era um enigma, uma aberração
Era uma coisa, mas que oferta boa, boa, boa, boa, boa, boa
Era quase de graça
Tava por acaso ali, não trabalhava
Chamavam “mulata”, queriam algodão
Tava na Angola, tava na Cabinda
No Monjolo, no Congo, no barco
E eu, e eu, e eu, e eu, e eu, e eu
A me perguntar, de onde vinha?
Era uma vendagem, com muitas tiragens
Nem me questionavam se eu era ou não
E mesmo com marcas, mesmo bem vestida
Eles apenas vinham, e vinham, e vinham e vinham, e vinham
Tinham a mesma cara
O som de tambores africanos começou a ecoar pelo palco juntamente da guitarra da música, a iluminação também mostra as dançarinas em cena, vestidas com roupas tradicionais africanas misturadas com trajes urbanos, simbolizando a fusão e a resistência contínua. A cadeira se inclinava com Brü, deixando a mesma praticamente deitada enquanto cantava e era filmada de cima. Dessa vez, a cantora se expressava não apenas com o seu olhar, mas também usava das mãos para se dedicar a letra da musica. A cadeira volta para o eixo e Brü se levanta, andando pela mesa enquanto cantava o refrão.
Tinham ternos chiques
Com carros do ano, eram homens brancos
Fetichização
E eles me queriam, pegavam em minhas tranças
Mãos de heranças, brancas, oh não, oh não, oh não, oh não, oh não
E eu me perguntava, de onde vinha?
De onde vinha, de onde vinha?
De onde vinha, de onde vinha?
De onde vinha, de onde vinha?
De onde vinha?
Brü se centraliza na mesa e a música volta para o instrumental mais introspectivo. As dançarinas, agora sobem na mesa, se movendo com uma coreografia sincronizada ao redor de Brü que focava em seus vocais. As luzes agora se mantinham de baixo para cima, dando destaque apenas para todas na mesa, criando um efeito chamativo para quem assistia de casa e diretamente do palco principal.
Estava exposta ali, completamente
Avaliavam meus dentes, me passavam a mão
Deram preço para o meu sexo, falavam que eu não valia muito, como em 1500
Me queriam nua, nua, nua, nua, nua
E meu eu calado
Chicotes elétricos, para suas fantasias
Celulares filmam sem minha permissão
E eu me explicava que não tinha essa vida
Mas eu era a vida, não podia, no meio do dia, dia, dia, dia, dia, dia, dia
Queria uma saída, de onde vinha?
Já na performance perto de se encerrar, a iluminação se tornava menos intensa e Brü descia da mesa, andando pelo palco principal com parte do ballet seguindo a cantora. Brü continuava cantando com uma voz poderosa e emotiva, enquanto as dançarinas lhe cercavam, se deitando no chão para que Brü brilhasse sozinha, cantando a última parte da música. No final da performance, a música diminuía em volume, mas não em intensidade emocional. as dançarinas formavam um círculo apertado no centro do tapete vermelho mantendo Bru dentro. Ela encarava a câmera enquanto uma mensagem na voz dela ecoava.
Minha cor, meu corpo, todos meus recortes
Uma princesa a venda para a escravidão
E eu até dizia, fingiam que não ouviam
Pois na fantasia, eu não era minha
Mas deles, deles, deles, deles, deles
Só o que eles queriam
Ouvia as conversas, eram inteligentes
Mas se eu me negar, me botam na prisão
Eles são os filhos de quem tinha o poder
E pra eles é inadmissível, era impossível
“nem mil?”, “nem mil?”, “nem mil?”, “nem mil?”, “nem mil?”
Era o que eu ouvia, de onde vinham?
— A história ecoa e se repete, evidenciando que as cicatrizes persistem. Da senzala às palcos, as marcas são inegáveis e profundas. Ainda hoje, o sangue negro mancha nossas ruas e as lágrimas das mães continuam a regar a terra. Precisamos lembrar que a justiça só será alcançada quando as vozes antes silenciadas forem ouvidas e respeitadas.