[EUR] SOFÍA X GAYTIMES
May 18, 2024 15:10:15 GMT
Post by adrian on May 18, 2024 15:10:15 GMT
[DIVULGAÇÃO PARA NO SÉ CUANDO SE ACABÓ & VERTE ARDER]
Este é um editorial especial. Tivemos o prazer de entrevistar, pela segunda vez, a cantora mais famosa do momento: Sofía. A artista latina consolidou ainda mais seu nome no cenário musical e dominou as paradas musicais com seus dois últimos singles, Mujer Bruja e La Reina Perdida. Mas, para além de seu sucesso, ela também se tornou porta-voz de uma causa maior: a de proteção aos direitos LGBTQIAP+. Desde o lançamento do documentário 365 DÍAS CON SOFÍA, lançado pela NETFLIX, na qual o público descobriu o relacionamento entre Sofía e EMÍ, a mexicana não poupou esforços para se afirmar como uma das principais imagens da causa; sendo, inclusive, o uma das apoiadoras da Lucca Lordgan Foundation, organização criada pelo cantor Lucca Lordgan para auxiliar toda a comunidade LGBQTIAP+
Gostaríamos de fazer algo novo e que não caísse em lugar simples de perguntas e respostas. E, para isso, convidamos grandes nomes do movimento LGBTQIAP+ para assumir as rédeas em conversar com essa grande estrela. Foram convidados não só militantes, mas suas próprias mães para conversar com a popstar sobre a temática. Para além disso, todos os fundos arrecadados com as vendas desta edição serão direcionados ao programa criado por Lucca Lordgan, apoiado por Sofía, na proteção dos direitos e vidas da comunidade queer.
[Luna Glamour, drag queen] Sofía, sabemos que, pelo menos desde o ano passado, você tem sido abertamente aliada na luta pelos nossos direitos enquanto comunidade. Muitos questionam uma suposta “demora” sua em se colocar como pertencente à comunidade. Como você se sentiu com esse tipo de cobrança?
[Sofía] Eu fico triste, para ser bem sincera. Esse tipo de cobrança vindo da própria comunidade, além de ser cruel, é paradoxal. Sabemos que há sempre uma dinâmica em que somos cobrados por sermos quem somos pela sociedade exterior. Então, quando eu vi que estavam comentando que eu poderia estar “me aproveitando” de uma causa tão nobre, fiquei triste. Chorei como nunca havia chorado antes na minha vida. Tipo, o que eu ganharia de positivo me apropriando de algo assim? Não é como se ser LGBTQIAP+ fosse bem visto pela sociedade.
[Luna Glamour, drag queen] Lidar com a internet é muito difícil, pois muitas pessoas escondem suas próprias faces para destilar ódio em todos aqueles que eles não gostam.
[Sofía] Você falou bem: ódio. As críticas para nós que somos artistas são comuns, embora algumas também estejam carregadas de ódio, mas nesses casos sabemos que não há nada que justifique a não ser o próprio julgamento daqueles que se julgam como arautos da moral. Eu sou uma mulher bissexual e não tenho medo de assumir isso. Continuarei a lutar por toda essa comunidade, da qual eu faço parte.
[Ina Olsen, mãe de Luna] Sofía, como é para você ser uma referência para a nova geração de crianças e adolescentes queer? Meu filho, Antonio (Luna), conta que queria que tivesse alguém como você na adolescência sendo tão aberta sobre a sua sexualidade.
[Sofía] Me sinto lisonjeada por ser considerada como “exemplo”, mas não gosto de me colocar neste lugar. É uma responsabilidade aquém daquilo que posso aguentar, então busco me enxergar como uma amplificadora de desejos. Não quero que todos sigam exatamente os meus passos, sabe o porquê? Por que somos únicos e trilhamos o nosso próprio caminho! Se posso orientar alguém é em direção a se sentirem à vontade para viver quem são e da forma que acharem melhor.
[Ina Olsen] Como você enxerga que o seu posicionamento pode impactar na resolução dos inúmeros conflitos relacionados ao preconceito?
[Sofía] Seria muito pretensioso da minha parte achar que tenho toda essa importância, mas espero estar contribuindo para dar visibilidade à nossa luta da maneira mais justa e sincera possível. Sei o quanto isso pode ferir os mais jovens e estou lutando para que não aconteça jamais. Não sei qual o impacto do meu posicionamento, mas espero ser um palco para que todes sintam à vontade para ser quem são.
[Fernando Guimarães, professor de Linguística] Há muita discussão sobre os limites da adaptação da linguagem às demandas sociais que se impõem ao público queer atualmente. E você tem sido uma das únicas que se propõe a ignorar todas as críticas e usar linguagem neutra.
[Sofía] Eu não sou profissional da área de Linguística, mas sei que a linguagem é uma ferramenta política. Não dá para ignorar que nosso vocabulário é predominantemente masculino. Então mulheres, cis e trans, encontram-se, por exemplo, excluídas. Estas últimas principalmente. E pensando naqueles que estão aquém da dicotomia masculino x feminino o assunto é ainda mais delicado. Nesse quesito até mesmo o maior dos progressistas demonstra uma atitude conservadora. Eu não quero passar para o meu público. Irei continuar usando. Acredito ser uma pauta fundamental, à nível simbólico, para ser posta em discussão. Sei que há comentários, mas não considero discussão. São apenas falatórios dissonantes e pouco proveitosos.
[Fernando Guimarães] Como intelectual da área, posso afirmar que você está correta. A linguagem é uma ferramenta política de grande influência social e cultural. Basta pensarmos, por exemplo, nas invasões coloniais europeias na América e no genocídio de diferentes línguas para o predomínio da língua do colonizador. Falar Tupi? Ah, não! Você vai falar português e da forma que nós acharmos melhor. A língua é viva.
[Sofía] Sim, sim! Não escrevemos ou falamos desta maneira desde sempre. Houve modificações estruturais na língua para que pudéssemos chegar até esse estágio. Não é “agenda woke”, mas uma necessidade contemporânea. É urgente sairmos deste lugar comum de idiotice e irmos em direção ao que realmente importa: a inclusão e o respeito.
[Verona Farrah, diretora de uma ONG destinada à proteção dos direitos de mulheres LGBTQIAP+] Sofía, sabemos que há muitos anos você foi acusada de “passar pano” para a transfobia cometida por Monet em um reality que ambas participaram. Você já falou sobre em outras oportunidades, mas sempre é preciso reafirmar a sua posição.
[Sofía] Sim, claro! Acho que por ter a Monet como uma das poucas aliadas no reality-show me calei por anos, mas considero como um ponto de virada no meu ativismo político. A partir do momento que reconheci o meu erro, procurei estudar e me aprimorar em estudos de gênero. Compreendi que o silêncio é também violência. Hoje considero que evolui muito, mas reconheço o quão passiva fui nessa situação. Me arrependo profundamente de optar pelo silêncio, mas me levanto diariamente tendo como meta amplificar vozes que falem sobre suas vivências transexuais.
[Verona Farrah] Você falou em estudos de gênero. Poderia esclarecer mais, por favor?
[Sofía] Então, começou um pouco antes dessa situação, mas depois disso percebi que o caminho qje estava tomando era muito mais excludente que inclusivo. Tive contato com autoras como Judith Butler que me abriram os olhos para os papéis sociais em relação ao gênero e a sua construção ideológica. Foi questão de tempo para perceber, também, que seria necessário aprofundar em temáticas que incluíssem raça e classe. A partir disso, autoras como Angela Davis, bell hooks, Lélia Gonzalez, que é brasileira e uma referência em estudos de gênero afro-americanos. Aprendi muito e me coloquei no lugar que me pertence: a de uma mulher branca, rica e privilegiada. Tenho muito o que lutar, mas existem mulheres que lutam por suas vidas. E não posso dar continuidade ao projeto de emancipação feminina, se minhas irmãs sequer conseguem documentos, não tem emprego, não tem o direito de serem quem são. Tem outras lutas às quais devo somar antes.
[Patrícia Hill Colins, escritora] Sabemos que a perspectiva dominante é a de excluir pessoas não-brancas das discussões, algo que já vem sendo questionado, mas que impera. Você, como mulher branca e cisgênero, como se enxerga nesse cenário?
[Sofía] Patrícia, eu sei o papel que possuo nesse sistema que é, em essência, excludente. Por mais que não deseje, a minha figuração neste mundo ainda é permeada por exclusões de outras pessoas. Foi difícil para mim chegar até aqui, por exemplo, mas ainda é mais difícil para pessoas negras, indígenas e de outras etnias que não a branca. No mais, reforço que reconheço todos os meus privilégios e abro mão para que estas pessoas, marginalizadas, possam ter suas vozes ouvidas. Não sou eu ou qualquer outra pessoa branca que temos que “dar voz”, mas sim, ouvi-las e amplificá-las.
[Patrícia Hill Collins] Como você se posiciona frente ao racismo, bem como outras formas de opressão, dentro da comunidade LGBTQIAP+?
[Sofía] Há o que me parece ser uma guerra de egos para decidir qual opressão é mais importante e deve ser combatida primeiro. Não conseguiremos dar vazão aos nossos desejos se continuarmos nessa peleja inútil. Enxergo que muitas pessoas consideram a sua opressão maior que a outra, algo que não faz sentido. Toda opressão é opressão. É óbvio que umas se manifestam de maneira mais violenta que outras, mas ainda assim não acredito que disputar essa narrativa de hierarquização de sofrimentos é mais benéfica ao opressor que ao oprimido.
[Paulla Tejano, ativista] O que falta no meio artístico para que haja um posicionamento mais incisivo em questões políticas?
[Sofía] Coragem. Artistas são pessoas, mas também estamos amarrados a um sistema que, diariamente, tenta tirar nossa humanidade. Não é tão fácil quanto as pessoas pensam. Há um risco gigantesco de, por exemplo, sofremos represálias das empresas. Para elas é muito mais fácil silenciar uma artista que apoiá-la em seu posicionamento. Não é benéfico questionar o status quo, a não ser que você já tenha uma estrutura que te proteja. Então é muito fácil apontar o dedo, mas entender que há uma dinâmica externa que dizima a voz dos artistas é muito complicado.
[Paulla Tejano] Recentemente você divulgou um relacionamento com outra mulher, também da indústria. Como sente que isso foi recebido no meio artístico?
[Sofía] Acho que foi uma boa recepção, mas para mim isso nunca importou. Estava olhando diretamente para a minha base de fãs e não para o que outros companheiros de indústria poderiam pensar. E sinto que há uma abertura maior hoje que anteriormente para esse tipo de situação.
[Phabullo Vittar, drag queen] O que você espera para o futuro da música pensando em ideais de inclusão?
[Sofía] Eu, de verdade, espero que haja mais verdade e alma nesse mundo da música. Sinto falta de sinceridade e de que os artistas se coloquem verdadeiramente contrárias às opressões do mundo. Nós fazemos a nossa arte, enquanto no mundo inteiro, pessoas morrem por serem quem são. Não dá para viver o glamour e esquecer desse “detalhe”. Que tipo de influência estaríamos exercendo? Uma influência vazia, que fecha os olhos para o sofrimento de outrem. Somos mais que isso e podemos mostrar para o público nosso lado mais empático. Não precisa ser um militante assíduo, embora seja preferível, basta não se calar frente às injustiças!
[Phabullo Vittar] Como surgiu e como você recebeu o convite de Lucca para se juntar a uma causa que é tão urgente?
[Sofía] Fiquei muito feliz, claro. Eu adoro esse garoto e a coragem que ele tem para exercer o que ele é. Eu gosto muito de brincar com ele nas redes sociais, o que me rendeu algumas polêmicas, mas admiro a sua forma de ser e agir no mundo. É disso que precisamos: profanar as instituições excludentes. Alguém já imaginou que uma gay branquela afeminada seria um dos maiores artistas do planeta? Eu o admiro, o amo e torço pelo seu sucesso.
[George Santos, drag queen] Você vê uma mudança na aceitação e apoio à comunidade LGBTQIAP+ nos últimos anos? Como isso se reflete na sua audiência?
[Sofía] Acredito que atualmente há uma maior aceitação pública em relação aos direitos da comunidade LGBQTIAP+, embora ainda tímida. Temos, por exemplo, no cinema e nos streamings histórias queer sendo contadas e amadas pelo público. Contudo, sabemos que fora das telas há um movimento conservador, de cunho religioso, que impõe um retrocesso ao pensamento progressista. E muitos daqueles que se dizem progressistas apoiam essa narrativa conservadora. No fim, acredito que há muitos avanços, mas temos muito em que lutar nos próximos anos. Em relação a minha audiência percebo que a maioria são de jovens da comunidade. Eles formaram uma rede de apoio e influência que é gritante. É impossível passar despercebido.
[George Santos] Como as redes sociais impactam esse público mais jovem? E qual o papel que você, ou outros artistas, desempenham no mundo virtual?
[Sofía] Veja, hoje temos as redes sociais como ferramentas para amplificar nossas vozes. A tecnologia de comunicação que está ao nosso alcance na contemporaneidade é incrível. Temos potencial para alavancar nossos discursos à nível mundial. O que vejo, entretanto, é um mau uso de todas essas ferramentas. Elas estão sendo utilizadas para espalhar ódio e desinformação, não verdade e justiça. Então temos cada vez mais jovens sendo dilacerados por essa comunidade tóxica e incorporando traços também tóxicos em suas próprias personalidades. É um perigo. Não sei bem qual o papel que nós, artistas, desempenhamos. Ao mesmo tempo que a nossa influência pode ser utilizada para dirimir desinformação, não somos deuses absolutos que possuem controle sobre o que pensam ou não as outras pessoas. É complicado.
[Katherina Moss Abdul, ativista] Muitos críticos aos direitos humanos dizem que há um compromisso político de governos de esquerda em uma suposta “agenda woke”. Qual a sua opinião sobre essa narrativa?
[Sofía] É simplesmente ridículo que as pessoas acreditem em uma baboseira dessas. E outra que porra é “agenda woke”? Garantir direitos básicos? Poxa, se for assim, então realmente estão certos. Essa narrativa é ridícula, burra e nojenta. Dá vazão a comportamentos exclusivos e violentos de opressão. Não dá para ignorarmos e permitir que essas pessoas ecoem seus pensamentos nojentos e ignorantes no mundo. O perigo é de que eles sejam ouvidos, acreditem neles e se somem a esta luta contra os direitos de outrem. Não tem desculpas para não impedirmos esses discursos de merda.
[Katherina Moss Abdul] Você já foi atacada por seus posicionamentos políticos vindo desses agentes institucionais?
[Sofía] Que eu saiba, não. Acredito que esse tipo de pessoa é muito rasteira para enfrentar alguém cara a cara. Sei que sou persona non grata entre os senadores do Partido Republicano estadunidense. Desde que recusei fazer um show “americano” no SuperBowl e ressaltar as minhas origens latinas sempre ouço que meu nome está na boca desses homens poderosos. E quase nunca é coisa boa [risos]. Mas não me importo. Não tenho medo desses homens. Enfrento sem nenhum receio do que pode me acontecer. O que eles podem fazer? Derrubar meu avião?
[Katherina Moss Abdul] Você nunca pensou em seguir pelo caminho da política?
[Sofía] Não é para mim, de verdade. Isso nunca foi uma possibilidade para a minha visão do que deve ser a atuação política que devo. Acredito que minha participação é nos bastidores, sendo uma voz que ecoa ideias progressistas e que está sempre pronta para lutar contra qualquer injustiça. Apoio declaradamente agentes políticos que sejam de esquerda e que tenham uma visão aberta e ampla sobre o nosso sistema econômico e político.
[Roxanna The Virgin, drag queen] Sofía, como é ser uma artista latina hoje?
[Sofía] É difícil, querida. E olha que, como já falei, ainda tenho muitos privilégios por ser quem sou. Temos pessoas que têm muito mais dificuldade de ascender, mesmo tendo talento. A Bru e o Awa são dois exemplos, para mim. Acho que são artistas incríveis e que se souberam se reinventar. Eles produzem músicas muito boas e repletas de referências e vivências próprias. Ambos são negros, a Bru é uma mulher trans e o Awa um homem negro. Sabemos como a raça atua na dimensão e na forma pela qual estamos ocupando o mundo e os espaços de trabalho.
[Roxanna The Virgin] Na sua visão, você já conseguiu ultrapassar AQUELA barreira?
[Sofía] Sim e não. Essa barreira, que é principalmente de reconhecimento, ainda persiste, mas sinto que a cada dia ela se torna mais fraca. Ou eu me torno mais forte, enfim. Estou sentindo pela primeira vez em muito tempo que meu trabalho é reconhecido pelo o que é. Ser um artista latino é trabalhar três vezes mais para se alcançar o topo. Batalhei muito para estar onde estou hoje e acho que ninguém pode refutar isso. Mas, ao mesmo tempo, sei que sou um ponto fora da curva. Como falei, tenho muitos privilégios e isso me ajudou a alcançar isso tudo. Não me sinto completamente realizada quando vejo que há artistas incríveis sendo invisibilizados.
[Georgina Mendes, ativista] Como esses artistas podem superar essa barreira?
[Sofía] Sabe, não acho que devamos ir para esse caminho de individualizar os resultados. Essa é uma situação muito mais complexa e que envolve abertura externa. Um artista pode divulgar nos quatro cantos do mundo, mas se o público não estiver prestando atenção… pode esquecer. E isso vai além de chamar atenção desse público, como deles próprios estarem abertos a novas experiências, sons e arte. O que devem fazer? Talvez sejam vocês mesmos. Ao final, mesmo que não tenha fama internacional, você terá sua dignidade e alma. Dinheiro importa, óbvio, mas há um limite e esse limite é destruir a sua personalidade em nome de algo que não te representa.
[Georgina Mendes] O que explicaria a falta de interesse do público internacional em artistas latinos?
[Sofía] Para ser sincera, não tenho a resposta para isso. Vejo que para além das barreiras culturais, a música latina ainda é permeada por estereótipos negativos. Somos vistos a partir de uma ótica homogênea e empobrecida. Não somos apenas sombreiros e cactos. E veja, sombreiros e cactos representam apenas uma parte da diversidade que é a América Latina. Se as pessoas se dispusessem a conhecer mais sobre nossa cultura, mas elas não querem, infelizmente.
[Otávio Brandão, ativista] Você já conseguiu medir todas as suas conquistas? Em outros termos, você se sente realizada?
[Sofía] Acredito que sim. Sei que onde estou hoje é um lugar que poucas pessoas já chegaram. Mas, infelizmente, justamente por isso não me sinto totalmente realizada. Há espaços a serem ocupados e que não estão sendo responsáveis pela manutenção de um sistema desigual e que privilegia determinados gêneros e cores. Sou uma mulher branca, sabe? É mais fácil para mim, embora ser uma cantora latina tenha me trazido uma dose extra de dificuldade. Sou incrivelmente grata por todas as minhas conquistas, mas enxergo que falta muita coisa para estar realmente realizada.
[Otávio Brandão] Há um horizonte de expectativa a qual você sonha?
[Sofía] Bem, há. Eu quero crescer artisticamente e impactar positivamente cada vez mais o mundo ao meu redor e as pessoas que me admiram. Sou muito feliz por ter engajado uma base de fãs e admiradores tão gigante e tão dedicada a consumir e celebrar meu trabalho e origens. Mas falta muito ainda e nós sabemos. Espero poder utilizar da minha voz, do meu trabalho, para quebrar barreiras e dar oportunidades para àqueles que estão começando.
[Herrero Vinda, ativista] Há uma brincadeira de que você seria uma espécie de “tia” para novos artistas que, em começo de carreira, estão colaborando com uma das maiores artistas do mundo. Temos em sua lista de artistas: Awa, Blanca Flores, MAVI, Las Trinity, EMÍ, Western Union, Rique. Qual a sua relação com essa nova geração?
[Sofía] Eu os amo e considero que fui eu quem tive a oportunidade de trabalhar com artistas incríveis. Adoro trabalhar com outros artistas e dou preferência para aqueles que estão começando, de fato. E por um motivo muito forte: eu posso ser a porta pelo qual eles podem vir a serem conhecidos por um público maior. Durante anos eu desenvolvi uma rede de apoio imensa e porque não utilizar dela para auxiliar esses jovens artistas? Para mim, faz sentido. Sou grata pela confiança de todos estes artistas incríveis.
[Herrero Vinda] Há uma predominância, também, de artistas latinos em suas colaborações. É intencional?
[Sofía] Não exatamente, sabe? Acredito que há uma associação maior com artistas regionais que internacionais. Tenho músicas com norte-americanos, asiáticos, europeus, mas há de fato essa predominância com artistas da terra. E sempre que for possível e adequado não tenho dúvidas que colaborarei novamente com todos eles. Nestas trocas musicais eu sinto que enriqueço a minha arte e o meu ser individual. Adoro colaborações e espero ser convidada e convidar para muitas outras.
[Fintz Ximenex, drag queen] O que podemos esperar de você para os próximos meses, pensando em turnê e novas músicas?
[Sofía] Espero que, em breve, eu possa continuar trabalhando para lançar no segundo semestre deste ano o deluxe do meu álbum. Estou muito animada para trabalhar com outros gêneros latinos como o tango, por exemplo. De verdade, estou encantada com as possibilidades de utilizar o tradicional e de reinventar a partir de elementos mais contemporâneos. Espero, também, colaborar com outros artistas latinos neste álbum. Já estou com alguns nomes em mente, mas ainda não há nada de concreto.
[Fintz Ximenex] Aliás, como é trabalhar nessa intersecção entre a tradição e a inovação nas músicas deste último álbum, em específico?
[Sofía] Fui muito grata e feliz com tudo o que fiz em HASTA QUE SALGA EL SOL em termos musicais. Como falei em algumas entrevistas, foi preciso revisitar minha infância e adolescência para acessar essas memórias. Na minha cabeça vinham algumas referências, mas me parecia obscuro. Então me reuni com amigos e os produtores para trabalhar, mas também para me divertir. Não me reunia com os meus colegas há anos e para esse trabalho eu precisava dessa reconexão. Ao mesmo tempo, precisava destacar que era um exercício criativo destinado a produção musical de um disco. Na verdade, fiz dois, mas decidi reuni-los em uma única versão e lançar as faixas que sobraram em uma versão deluxe. Na próxima era gostaria de vir com algo novo.
[Fintz Ximenes] Está pensando em algo para o próximo disco?
[Sofía] Não há nada concreto, mas gostaria de revisitar as minhas referências do pop-rock e do pop-punk. Auxiliei a EMÍ na construção de seu álbum e me vi imersa durante semanas nesse estilo de música. Lembrei do quanto eu amo essa vibe. Me imagino muito gravando um álbum na garagem de casa, com amigos e café. Quem sabe o que virá, não é mesmo? Mas antes ainda tenho muito trabalho a fazer com o HASTA QUE SALGA EL SOL.
[Fintz Ximenes] Como foi esse processo de compor e produzir para um álbum que não era o seu? Foi uma experiência nova para você, certo?
[Sofía] Foi a minha primeira experiência com esse trabalho e eu fiquei realizada! Captar a essência do que a EMÍ planejou foi muito fácil. Eu sei disso porque quando eu estava em uma posição secundária nas composições do álbum, eu era uma pessoa muito difícil de traduzir os sentimentos para que os compositores pudessem escrever baseados na minha experiência. Mas essa menina é incrivelmente aberta e talentosa. Fez do meu trabalho um verdadeiro paraíso! Ela me deu a oportunidade de explorar outros aspectos das minhas habilidades musicais. Sou muito grata pela confiança e pelo trabalho final que fizemos.
[Sandra Toryamna, jornalista e crítica musical] Sabemos que a música não surge do nada, mas é permeada pelo externo e interno da vida dos musicistas. Como foi colaborar com EMÍ depois do término?
[Sofía] Foi tranquilo, para ser bem sincera. Nós terminamos mas não viramos inimigas, muito pelo contrário. Ficamos mais juntas que nunca! Hoje nós somos amigas que se amam e que dormem juntas [risos]. Não namoramos, mas estamos nos envolvendo romanticamente. Nesse processo fomos nos aproximando e vimos que não havia como escapar desse sentimento. Estou completamente apaixonada por essa mulher! Ela é talentosa e eu quero que todos ouçam o que a minha mulher tem a dizer.
[Sandra Toryamna] Como o seu público recebeu o impacto da notícia do seu namoro com a cantora?
[Sofía] Pelo pouco que acompanhei, haja visto que a minha vida pessoal não deveria ser tópico de grande importância, a grande maioria aprovou. Os que não aprovaram foram devidamente removidos das minhas redes. E não, não foram comentários sem maldades: eram preconceituosos e violentos. Odeio que me sigam e odeio que consumam meu trabalho. Se você é assim, não me ouça! A minha música não é para gentinha como você. Eu amo uma mulher e, se isso te afeta, vá para a merda! Já os meus fãs, os verdadeiros, celebraram o amor dessa relação que é tão sincera e tão viva. Sou apaixonada também por aqueles que me seguem e me respeitam.
[Trevor Gwertyuonhupi, fã] Sofía, você está em uma turnê mundial nesse momento e ela já é descrita como uma das maiores turnês do ano. Qual a sensação de estar nos palcos com shows tão grandiosos?
[Sofía] Eu estou muito realizada com os shows que estamos fazendo. É uma turnê de estádios, em todas as regiões do globo. Foi um investimento pesado, não só em termos financeiros, mas de recursos humanos e emocionais. Ao todo temos um grupo de cem bailarinos, além de outros profissionais que me acompanham nas viagens. Não saio de casa sem o meu fonoaudiólogo, por exemplo. Mas, às vezes, tenho que contar com profissionais dos locais em que vou, e tá tudo bem. É a minha maior turnê, de fato. São locais muito grandes e a estrutura toda é inimaginável. Sabe quando imaginei que estaria em um palco que ocupa uma parte de um estádio? Nunca!
[Trevor Gwertyuonhupi] Como é lidar com os diferentes públicos em uma turnê dessa magnitude? Sabemos que, por exemplo, o público brasileiro é diferente do público argentino; assim como o público latino é totalmente diferente do europeu.
[Sofía] Essa é uma das partes mais difíceis, para ser sincera, mas também uma das que eu mais gosto de enfrentar. Advogo muito pela ideia de que os seres humanos têm que se comportar a partir de sua singularidade; dessa forma, considero que os públicos reagiram de maneiras diversas enriquecem o meu capital cultural. Sei como é cantar uma música que amo e que o público reagiu bem no Brasil, mas o mesmo não acontecia no meu país, o México. É uma das coisas que nós temos que estudar no período de preparação para as apresentações. O sucesso ou fracasso de uma show é determinado pelo estudo que há na confecção da setlist, do posicionamento de palco, da interação, etc. Então depende de muito estudo.
[Maria Gonzalez, fã] Atualmente os shows estão acontecendo na América Latina e muitos fãs já esperam que você retorne no próximo ano com um show ainda maior.
[Sofía] E eu voltarei! Espero poder proporcionar uma experiência ainda mais grandiosa para o meu povo. Estar no palco é a melhor das experiências enquanto cantora, para mim. Ouvir as vozes cantando em coro as nossas canções e ver cada expressão de felicidade nos rostos do público é… emocionante. Pretendo tirar férias no final do ano após os shows na Europa, mas em fevereiro já devemos estar de volta na ativa.
[Maria Gonzalez] Há algum público em específico que te faz pensar “nossa, eu amo esse país com toda a minha força!”?
[Sofía] Sem pretensão de fugir a sua pergunta [risos], eu amo todos os meus públicos. Adoro que eles não reajam igualmente as canções e seus sentimentos sejam outros. Fico feliz de poder ter fãs tão singulares. Em termos de animação eu admiro como os brasileiros e os argentinos me recebem. Me sinto como um time de futebol que acabou de ganhar a copa do mundo [risos]. São muitos gritos, aplausos e palavras de amor. É claro que tudo isso se repete no mundo todo, mas esses dois públicos fazem se ouvir em meio a qualquer gritaria. Eu os amo!
[Cecília Flesch, jornalista] Recentemente você inaugurou uma parceria de sucesso com o serviço de streaming NETFLIX que foi o seu documentário, mas há uma canção original para um filme em que você será a protagonista. Como é trabalhar como atriz em um papel principal?
[Sofía] É desafiador. Eu estudei artes cênicas enquanto adolescente, mas não cheguei a concluir o curso. Então quando surgiu o convite da NETFLIX eu condicionei a minha participação à um workshop de atuação. O prazo estava muito apertado para que eu pudesse fazer um curso de longa duração, então eu pedi que eles me dessem esse auxílio profissional. Eu sei que há algumas atrizes e atores que estão inconformados com a minha escalação mas, de forma alguma, eu quis desrespeitar essa profissão que é tão importante para mim. Não sou uma atriz ótima, muito longe disso, mas tentei entregar o meu melhor naquilo que podia. Eu os respeito muito, mas também estudei para isso. Sou uma cantora que pretende, vez ou outra, atuar. Talvez não em papéis principais, mas aí depende dos convites que vão surgir. No mais, estou satisfeita com o trabalho que realizei e as amizades que fiz durante o período das gravações.
[Cecília Flesch] Valentina é o nome de sua personagem e ela é descrita como uma mulher forte, criativa e de gênio forte. Como ela se assemelha a você?
[Sofía] Eu participei do processo criativo de construção da personagem. Foi uma outra exigência minha. Sabia que a minha atuação seria limitada, então precisava de uma personagem que fosse minimamente semelhante a mim e isso facilitou o processo de atuação. Somos muito parecidas e eu amo isso.
[Cecília Flesch] A sua música foi construída tendo como base a história que dá início ao ponto de virada de Valentina. Como se deu o processo de composição?
[Sofía] Estive junto aos roteiristas do filme conversando para que, tanto a música quanto a história de Valentina estivessem em conformidade. A imagem da personagem é de uma jovem que é aparentemente frágil, mas ela tem uma força descomunal dentro de si. E por isso optei por uma abordagem mais forte, com elementos do rock, mas em uma canção pop. Pensei em escrever uma balada, mas vi que não fazia sentido para mim. A música deveria ser animada, com uma mensagem de empoderamento através da tristeza da personagem. É um ponto de ruptura, na verdade.
[Cecília Flesch] Na internet, a sinopse do filme decepcionou alguns fãs por ser um filme que aborda um casal hétero. O que foi isso para você?
[Sofía] Para mim foi um surto desnecessário. Estou sendo atriz e a história contada foi essa. Não fui convidada, por exemplo, para uma comédia romântica sáfica. Então essa era a história contada. Entendo que há um desejo de me ver em filmes de temática LGBTQIAPN+, mas ainda não tive convite para isso. Quando tiver, eu faço com o maior prazer. Até lá, eu faço o que me convidam [risos]. Mais uma vez uma polêmica desnecessária se construiu em torno de uma narrativa que não tem base sólida para existir.