[ÁSIA] SOFÍA X NYLON KOREA
Apr 4, 2024 19:00:26 GMT
Post by adrian on Apr 4, 2024 19:00:26 GMT
[DIVULGAÇÃO PARA LA REINA PERDIDA & PRIVATE TEACHER]
Em busca de ampliar a sua influência no mercado asiático, Sofía é capa da edição de abril da revista NYLON KOREA. A cantora posou para as lentes da Jean Geoff. A entrevista que concedeu abordou pontos polêmicos, aos quais respondeu sem titubear. A cantora define que posicionamento político é um aspecto importante para que artistas possam se aproximar do seu público. Para além disso, abriu seu coração a respeito de sua orientação sexual, turnê e carreira.
Para a artista Sofía, qual é o papel da música na expressão política e progressista?
Bem, eu penso que a arte é sempre política. As expressões que colocamos em tudo o que fazemos é permeada por nossas ideologias e crenças. Há discursos que propagam uma ideia quase que idílica de arte dissociada da realidade, mas não acredito que isso seja verdade. Por mais “apolítico” que você diga ser, mais uma posição específica no espectro político você defende. Para mim, é mais justo que você expresse essa posição abertamente para o seu público.
Enfim, à parte das minhas críticas, eu tenho que o papel da música é a de expressar sentimentos e motivações. Podem e devem ser utilizadas como marcos referenciais de identidades, movimentos políticos, etc. E isso não precisa, necessariamente, ser algo explícito. Temos muitos exemplos de canções contrárias à violência doméstica que utilizam de termos mais brandos ou abordam a violência a partir da metáfora. É essencial entender que política não se resume apenas às votações, mas que ela compões todos os componentes da vida social: comida, vestimenta, moradia, religião.
Como a música pode influenciar a tomada consciência política das pessoas?
Não acredito que a música possa vir influenciar a consciência de ninguém. A meu ver, se assim acontecesse, seria prejudicial para o desenvolvimento autônomo do pensamento. Afinal, se há uma influência direcionada, deixa de ser orgânico e se torna um projeto de dominação ou conquista. Uma música politicamente engajada é aquela que não subestima os ouvintes ou tenta inculcar à força ideias individuais. Nós, enquanto artistas, devemos estar abertos a uma posição de serem questionados. É no questionamento que a música pode agir nessa consciência política. Mas não como uma força superior ou algo do tipo, mas um instrumento do pensamento crítico e autônomo.
Você se considera uma artista politicamente ativa e posicionada?
Sim! E há algumas razões que me fazem acreditar nisso. A primeira delas é a de saber que, hoje, estou em um determinado lugar de poder; é muito fácil cair em armadilhas que me façam exercer essa força sobre outrem. E essa consciência me deixa alerta para o meu papel social em um sistema hierarquizado. Eu sou uma mulher cis, branca e, que, apesar de ser atravessada pela LGBTQI+Fobia e pela xenofobia, ainda tenho muitos privilégios. E nisso reside mais um foco de poder. Desde que me dei conta de quem eu sou, reflito sobre como fazer a diferença para a sociedade que faço parte. Outra razão, que é consequência direta desta última, é a intencionalidade de imprimir um posicionamento político no meu trabalho. Não à toa acabei de lançar um álbum totalmente voltado à celebração da cultura latina. É sabido que nós, músicos latinos, fomos relegados a uma subcategoria musical durante muitos anos.
De que forma o progressismo se reflete em suas letras?
Veja, acredito que a bandeira do progressismo pode ser adotada a partir de diferentes abordagens. Eu me considero uma mulher bem posicionada e faço sempre que as minhas letras, escritas por mim ou não, reflitam quem eu sou. Fui muito criticada por não escrever as minhas próprias músicas como se os álbuns fossem de autoria de outra pessoa e eu não estivesse envolvida. Eu mediava todas as letras, pedia para modificar caso necessário. Todas as canções que lancei representam a mim mesma e mais ninguém. E eu sou essa mulher que vocês podem visualizar: sempre posicionada e dona de si. Talvez, agora, as pessoas possam ver mais de mim nas letras de HASTA QUE SALGA EL SOL. Isso não significa que as minhas músicas anteriores não fossem reais ou que eram interesses de outras pessoas. Justamente por não escrever, eu me interessava em estar atenta a cada linha, palavra e melodia. O álbum todo era montado por mim. As músicas que saíam ou entravam eram por mim.
Como você enxerga que a música pode ser usada como ferramenta de protesto e resistência política?
Vou repetir o que falei anteriormente: não podemos subestimar o poder interpretativo e críticos dos nossos ouvintes. Subestimá-los é o primeiro passo para uma canção ruim. Nem todas as músicas precisam falar de política, obviamente, imagina que chato seria; mas para os artistas que assim quiserem, é preciso ter em mente o seu objetivo principal e não perdê-lo de vista mediante as pressões do mercado ou da gravadora. Esse é o segundo passo: fazer a sua música independente de pressões externas. Em terceiro lugar, mas não necessariamente em ordem de preferência; seja verdadeiro consigo. Não há coisa mais linda e preciosa que alguém que entende a si e, de coração aberto, toca o seu público.
Como a música pode promover a inclusão e a diversidade na política e na sociedade?
A música é uma janela de oportunidades incrível para todas as pessoas que assim queiram. Através das letras, narrativas e melodias mundos complexos se formam a partir de algo que parece simples. Então, acredito que as diferentes perspectivas e essa complexidade possível é o que permite que a música seja inclusiva e insira a todes em sua narrativa sonora. Termos à disposição uma rica e complexa oportunidade de nos inserirmos em algo é fundamental para que nos tornemos partícipes.
Quais são os desafios enfrentados por artistas progressistas ao se expressarem por meio da música?
Olha, eu considero essa uma das tarefas mais difíceis que temos hoje enquanto artistas. Estamos sendo constantemente bombardeados por pressões de outrem e originalidade e expressividade são podados por gravadora ou por fãs. Nos posicionarmos é complicado porque estamos sempre pisando em ovos. Será que eu devo fazer isso mesmo ou o meu público vai se afastar de mim? Será que a gravadora vai apoiar ou não é comercial o bastante? Enfim, os óbices aos quais nós, artistas, estamos enfrentando é diariamente permeado por diversos elementos que, muitas vezes, saem do nosso controle.
A expressividade artística pode ser vista como algo negativo a depender do ponto de vista, por exemplo. No começo, quando quis ser independente, a X LABEL me podou bastante. A Norma Claire, apesar de ser uma ladra, era a única que me apoiava. Talvez a questão de gênero tenha interferido nesse processo, mas o que importa é que isso expressa uma vontade genuinamente sua.
Como a música pode contribuir para a conscientização sobre questões sociais?
Em primeiro lugar, é importante sabermos que a música por si só não tem esse poder. É a mensagem e a sua ressonância que abarca uma eventual incorporação da arte em questões sociais. Há duas músicas no meu último álbum que considero de vital importância social. A primeira delas é ANA. Nesta canção estou refletindo a respeito de um momento de minha vida a qual enfrentei a anorexia. E anorexia não é problema individual, mas social. O que leva às mulheres, e homens, a se matar silenciosamente desta forma? É uma pressão externa que, muitas vezes, sequer temos controle. E eu acho que mesmo se tivéssemos controle, ainda assim sofreríamos. A canção pode não parecer profunda, por ser uma bachata, mas ela é complexa demais. Uma das minhas composições favoritas, com certeza.
Outra que gostaria de pontuar como exemplo é Adicto. Nessa faixa em específico, eu os convido a pensar sobre relacionamentos que te aprisionam, não necessariamente românticos. No meu caso, o vício foi o ponto de partida para que a dor viesse e se instalasse. Através destas músicas eu tentei proporcionar um momento de reflexão a respeito de questões sociais pertinentes. E a minha tentativa se deu por meio de uma perspectiva menos explícita, mas que não deixa de incorporar elementos críticos.
Qual é a importância da liberdade artística na música e política?
Bem, é óbvio a importância: não se faz política ou arte, ou ambos, sem que haja uma autoconsciência e liberdade. Muitos poderão dizer que a liberdade é apenas um elemento utópico e não discordo totalmente, mas é perfeitamente possível que tenhamos todes um grau de autonomia para dizer “não” há determinados assuntos. É claro que estou falando do ponto de vista de uma pessoa privilegiada e que conquistou um certo espaço que permite com que eu tome decisões mais conscientes e livres de pressões alheias. Sei que para outros a situação deve ser muito mais difícil e não os julgo quando não conseguem essa liberdade artística e são orientados por interesses aquém daqueles pessoais.
Mas, repito, a arte pretendida também política é livre. Mesmo que sob boicotes, ela deve ser liberta para poder frutificar e seus objetivos reconhecidos.
Na sua visão, quais artistas você considera como politicamente posicionados?
Há duas artistas as quais admiro por se posicionarem sempre. Uma delas é minha queridissima amiga Plastique Condessa. Ela é um exemplo de artista engajada em questões sociais. Me inspiro na sua força e na criatividade artística que possui para falar sobre a sociedade através de suas letras, mas também de atitudes. Ela possui todo aqueles jeitinho sombrio e pouco simpático, mas é uma potência. Outra artista que admiro muito, apesar de termos nossas diferenças, é a Harmon. Admiro muito que ela tenha se posicionado a favor da Palestina quando ela é a cara da “América” que promove genocídio em massa em territórios perifericos. Ela, ao meu ver, representaria perfeitamente o que seriam os estadunidenses: conservadores, retrógrados e idiotas. Acho ela idiota por se relacionar com um apoiador explícito do Estado de Israel, mas se posicionar contra o próprio país foi de uma coragem ímpar.
De que forma a música e vocês artistas incluem na formação política dos mais jovens?
Acredito que através de exemplos nós, artistas, sejamos um norte para estes jovens que iniciam a vida neste mundo tão confuso. Um dos principais problemas, ao meu ver, é superar um discurso despolitizante que impera na grande mídia através de figuras que atuam como filhotes do sistema. Por isso acredito na urgência de nos aproximarmos destes jovens o quão logo seja possível. Eles estão enfrentando uma batalha difícil de vencer: a de serem cooptados pela política liberal de conformidade. Se essa situação não for revertida ou impedida, estaremos em sérios problemas como sociedade. A juventude que deverá assumir as rédeas do movimento pela igualdade, pela justiça social. E quando nos deparamos com cada vez mais jovens dispersos, desinteressados por política e com uma posição conformista… estamos completamente ferrados. E falo no plural justamente por entender que apenas a construção coletiva nos levará a sair deste limbo em que nos encontramos.
Qual o recado que você daria para a juventude que te ouve?
Eu diria que é preciso que vocês acreditem na possibilidade de mudanças. Não é um processo fácil ou indolor, muito pelo contrário. É extremamente cansativo se posicionar diariamente contra injustiças, inclusive fazendo reflexão crítica a respeito de nossas próprias ações. Muitas vezes nos deparamos com situações às quais nós mesmos seremos alvos de nós mesmos. É de urgência que saibamos reconhecer nossos erros e trabalhar para que nunca mais se repitam. Nossa formação social, cultural e também intelectual não tem fim: há sempre algo mais para estudar. É uma tarefa difícil, mas precisam acreditar que o mundo pode ser modificado radicalmente a partir da tomada de consciência de que vivemos em um mundo desigual. Sejam todos abertos ao livre pensamento, abertos às desculpas e abertos ao futuro. Temos todes um futuro pela frente: se bom ou ruim, não saberemos até chegar lá.
Durante a entrevista, Sofía parecia estar mais feliz que nunca. Entre uma foto e outra, seu sorriso era esplêndido e fácil de ser capturado pelas lentes da câmera. Ao ser questionada por seus colegas e companheiros de cena qual o motivo de tanta felicidade, a mexicana respondeu que nunca se sentiu tão ela quanto estava se sentindo naquele momento.
Qual a principal diferença entre a Sofía do primeiro álbum e a Sofía do quarto álbum?
A maturidade que adquiri nesses anos é a maior diferença. Não tenho vergonha nenhuma de quem eu era anteriormente, muito pelo contrário, tenho orgulho do que fui e perceber que evolui significativamente de lá para cá é a minha maior realização pessoal em anos. Um dos aspectos relevantes é a questão da identidade. No início eu ficava confusa sobre o quanto eu deveria imprimir quem eu quero nas músicas, tanto é que considero o meu primeiro disco um dos que menos se parecia comigo. Hoje me parece mais uma coletânea de músicas divertidas e reflexivas, do que um marco que represente algo na minha vida. Óbvio que ele é importante, mas em termos identitários é o que menos reflete aquilo que sou; e devo isso a uma confusão mental da minha parte. Era nova, muito crua; não sabia como me impor, se deveria me impor. Nesse mundo novo eu era apenas um peão.
Já hoje, como vocês podem perceber, eu tenho mais consciência daquilo que sou e de como me portar frente as adversidades. Hoje eu sinto que tenho voz para negar e para xingar todo mundo que eu tenha interesse. É como se as amarras invisíveis não mais existissem. E isso veio com o tempo, bem devagar. Às vezes precisamos deste ponto de menor autonomia para dar valor aos momentos em que esta está nas nossas mãos. Hoje eu prezo pela verdade. Consigo dizer a vocês que tudo o que vocês veem é a mais pura representação da minha essência. Os pontos ruins e pontos favoráveis constituem aquilo que sou. Essa é a principal diferença.
Há, no ser mulher hoje, algo que difere do que você pensava antes?
Tenho a percepção hoje de que o “ser mulher” é uma construção histórico-social que eu não tinha antes, então eu era muito limitada intelectual e culturalmente para entender as dimensões do feminino. Quando, enfim, consegui romper com essa barreira da invisibilidade que assola todas nós, mulheres cis, e perceber que o gênero é de fato algo arbitrário, meu mundo se expandiu. Tanto é que tive problemas e reconheço como uma falta enorme, quando não me posicionei quando uma colega fez comentários transfóbicos. As críticas foram justas e, por não saber, me calei durante anos. Esse é um dos meus maiores arrependimentos. Foi criando uma atmosfera a qual eu não estava dando o devido valor: eu fui uma idiota, uma escrota e não falei quando deveria. A partir do momento que a minha percepção foi para esse lado, de amplitude e respeito a todes, minha vida mudou completamente. Sempre me coloquei no lado da liberdade e da justiça social, mas fechava os olhos para questões tão pertinentes que me transformaram em uma grande hipócrita.
Como você lida com as críticas hoje?
Hoje eu lido bem, antes eu era muito mais reativa e buscava ir contrapor. Essa é uma das benesses de envelhecer: adquirir maturidade para enfrentar as diversas pessoas que vão falar de você. Eu sou uma pessoa pública e é claro que vou ser alvo de críticas, mas tento me concentrar naquelas que são construtivas. Ao mesmo tempo, não se me isolo apenas nos elogios. É um perigo para o artista se manter em uma bolha que todo mundo ame o seu trabalho, pois não há atmosfera possível para crescimento artístico e pessoal. É essencial haver uma harmonia, tanto de comentários positivos quanto negativos. Nosso trabalho não é perfeito, sempre há elementos para melhorar ou eliminar e começar de novo. Foi assim que me despus de uma ideia de álbum eletrônico e investi nas minhas raízes latino-americanas. Se eu não tivesse ouvido as críticas, eu poderia ter ido por um caminho totalmente contrário ao que estou trilhando agora. E, nesse momento, foi a melhor escolha que pude fazer.
Sobre o seu mais recente disco, como ele se orienta para o discurso político que você leva? Você já pontuou duas canções, mas queremos saber do conjunto.
HASTA QUE SALGA EL SOL nasceu da ideia de aproximar o meu público, o internacional principalmente, daquilo que considero ser a minha história principal. Eu sou latina e percebi que, talvez, estivesse perdendo isso de mim com o passar dos anos. Apostar em um álbum totalmente de ritmos latinos, uns conhecidos apenas em suas regiões, foi uma aposta arriscada e que considero bem sucedida. Em tempos de homogeneização da cultura musical, artistas que celebram a sua cultura se posicionam frente a essa cultura embalada e plástica que é característica de nossa sociedade contemporânea.
Há, também, um certo desnível no que concerne ao reconhecimento de gêneros musicais regionais, tanto de popularidade como de números. Me assusta saber que, dentre tantos artistas incríveis, eu sou uma das poucas que consegue alcançar números grandes. Porra! Temos tantos artistas latinos incríveis como Awa, Blanca, Emília, Vittor, que merecem espaço. Eu fico triste, mas, ao mesmo tempo, vejo que não posso ficar de cabeça baixada nesse momento. Eu os convidei ao SUPERBOWL por isso. Poderia ter chamados amigos mais famosos, mas não faria sentido. O meu show era para celebrar a diversidade latina. E essa celebração passava por dar visibilidade a quem ainda não tinha.
Foi uma decisão política quando os chamei justamente por entender que há um caminho três vezes maior para quem pertence aos países ditos “sub-desenvolvidos”. Não espero que todos entendam isso, mas é a realidade. Estão constantemente jogando na nossa cara o quão duro temos que batalhar para sermos reconhecidos enquanto artistas. Nossa jornada é dez vezes pior que a de um artista norte-americano, por exemplo.
Na contemporaneidade há uma crítica ao que se chama de “mercado musical” pois considera que o potencial artístico se esvai em nome da arrecadação de dinheiro.
Acho que são críticas mais que válidas. Estamos em uma etapa do mundo moderno em que a identidade já não é um elemento fixo, capaz de unir sobre a mesma base um número sem indivíduos diversos. E por quê falo disso? Pois se as nossas identidades são instáveis, nós também somos. E isso se reflete na música que fazemos. A quem devemos endereçar a nossa arte? Como imprimir quem sou, se não me reconheço enquanto indivíduo? Daí é que podemos inferir que o movimento modernista de arte, sob o viés do mercado, pretende vender uma identificação entre o público, lido como passivo e receptor de informações deturpadas, e o artista, arauto da supremacia artística ou intelectual. Porra! O que é que se tornou a nossa carreira se o único que temos que fazer é vender algo que sequer nos reconhecemos? Ao mesmo tempo, vejo que qualquer artista que venha a se posicionar contrário a essa ideia de mercado é encaixado arbitrariamente nessa caixinha, apontados como hipócritas. É preciso entender que há uma necessidade de se alimentar, vestir-se e morar. Vender a si é quase um imperativo dessa sociedade capitalista.
Você já sentiu que estava vendendo mais uma imagem inventada que a realidade?
BjSim. Acho que essa era a realidade do meu primeiro álbum. É difícil que artistas novatos tenham grau de autonomia que lhes permita publicar seus trabalhos de forma que atendam a seus interesses pessoais e não apenas os do mercado. No entanto, me orgulho de tudo o que já fiz na vida. Mais ou menos consciente, os meus trabalhos refletem muito de mim, da ingenuidade à experiência vivida. E somos todos um grande amontoado de evolução física, espiritual e intelectual. É necessário que haja condições para que artistas possam desvincular-se dessa máquina de podar artistas. E muita coragem também.
Sobre coragem, você sempre se mostrou alguém sem medo. Nos últimos anos podemos te ver em reality-show, brigas, premiações, cantando vários gêneros.
Adquirir essa força de saber quando mudar ou posicionar, a que chamam de coragem, foi um processo difícil. Eu não diria “sempre”, mas é algo relativamente recente. Sinto que algumas coisas foram no automático, sem que houvesse um pensamento de “dane-se o que vão pensar”. Penso que se não fizer determinadas coisas por mim, ninguém fará. Talvez por isso essa força que se mostrou mais latente nos últimos anos.
Sempre me considerei uma adolescente medrosa. Então adulta eu percebo que tenho que tomar as rédeas da minja vida para me sentir viva. Não espero que pensem que as minhas brigas, por exemplo, eram para afirmar algo; sempre fui justa em todos os conflitos que me envolvi.
Você é uma das grandes estrelas da música atualmente. Alcançou lugares altíssimos. Para onde Sofía deve ir agora?
Essa é uma pergunta difícil. O futuro é sempre incerto, mas o presente é o fomento para os dias que virão. Não sei para onde irei, o que garanto é continuar batalhando para que a minha voz e a dos meus se fortaleçam. Tomei para mim, como uma missão de vida, elevar a música latina para todo o universo. Todos merecemos espaço para que nossa arte seja apreciada e conhecida. Cada vez mais pretendo seguir por esta jornada de viabilizar novas vozes. É por isso que me verão menos em colaborações com artistas gigantescos. Não descarto nada, óbvio. Eu alcancei um lugar ao qual nunca sequer havia sonhado, quero que outros possam dividir esse sonho entre si.
Por mais que seja comum dizer que você conquistou o mundo, a Ásia é uma região que poucos artistas ocidentais têm espaço.
Eu acho isso um máximo, sabe? Há duas perspectivas que golpeiam entre si, mas acho que são dignas de nota. A primeira delas é a de que muitos artistas ocidentais, especificamente os norte-americanos e europeus, não se importam em atingir países que não os de sua língua nativa... É fácil você se estabilizar em determinada região e por lá ficar sempre. Esse é o primeiro ponto: o desinteresse manifestado por esses artistas. O segundo é a da preservação identitária que percebo no cenário asiático. Há grupos e grupos de kpop, jpop e outros dominando a parada regional. Poxa, que incrível é um povo que dá valor ao que é totalmente seu. Eu acredito que é algo mais positivo que negativo, mas, é claro, acredito que a música tenha essa capacidade de falar sobre culturas distintas e por isso ela é tão rica. Sou admiradora de músicas estrangeiras e curiosa para conhecer todas elas. Eu não conheço apenas os artistas, mas também suas intimidades, subjetividades e cultura social.
Há alguns anos você colaborou com o KIJIKUSH em Tequila & Soju. Como você descreveria a experiência?
Foi incrível! Eu amo essa música. O KIJI sempre foi um carinho comigo e sempre solícito. Nós não mantivemos um contato sólido e recorrente, mas o considero muito. Ainda estava galgando meu caminho na música quando ele me convidou para ser a sua parceira. Na época foi o mais radical que já havia feito em termos de sonoridade. Fiquei muito feliz com o resultado e com a recepção da música. Espero poder colaborar novamente com ele e, dessa vez, trazê-lo para a minha cultura. Como um agradecimento pela abertura que me foi dada.
E não recebeu mais nenhum convite para colaborar com artistas asiáticos?
Ah, recebi sim. Inclusive, mal podem esperar para o que virá. Tenho certeza que irão adorar o que preparamos. Esta é, disparada, a melhor fase de internacionalização da minha carreira. Cada vez mais conheço e me aproximo de artistas estrangeiros, que fazem um trabalho primoroso. Esses convites que recebi foram aceitos prontamente. Logo fiquei animada e minha cabeça fritou de ideias. tenho que controlar toda essa animação, pois hora ou outra não darei conta de tudo o que me propus realizar. Mas estou feliz pelas portas abertas que tive na Coreia, principalmente. Mal posso esperar para trazer os meus shows para cá e sentir a sua energia latente.
A sua próxima turnê está em vista de se tornar uma das mais comentadas do ano. Apenas na Índia você se apresentará para 100 mil pessoas.
A parte que mais me anima desse processo de lançar álbum são aa turnês. É por isso que busco iniciar sempre o quanto antes possível. Todos vocês irão amar, com certeza. Esse show marcado na Índia é o maior da minha carreira, falando de números disponíveis, claro. Toda essa tour, na verdade, é grandiosa. Estamos nos preparativos para iniciar os trabalhos no Brasil já no próximo dia 16. A estrutura será a maior que já tive, bem superior a da DESENCANTO W. TOUR. Em breve anunciaremos também as datas para a Europa e América do Norte. Vi muita gente comentando que seriam poucos shows, mas não: vamos rodar com a turnê por muito tempo. Começaremos no Brasil, por exemplo, mas voltarei para novos shows assim que encerrar na Europa. Não irão faltar oportunidades.
No processo de colaboração, como você equaciona a abertura ao novo com o respeito a sua essência?
Eu sou muito tranquila em relação a isso. Quando aceito colaborar com alguém é por que estou disposta a embarcar na onda daquilo que me pediram, portanto, já é algo que eu mantenho aberta. É claro que não deixo de lado tudo aquilo que sou apenas para me encaixar, mas quando a música não é sua você tem que ceder um pouco. Você imprime a sua personalidade e identidade, óbvio, mas tem que se atentar para não influir em alguém que tá ali apenas de corpo. Um dos componentes essenciais para uma colaboração dar certo é você entrar de cabeça na ideia que te foi apresentada.
Colaborações refletem, por vezes, relações sociais. A partir de seu catálogo de featuring, como você descreveria a si mesma e o seu ciclo social no meio artístico?
Como todos sabem, eu já fui uma pessoa bastante reativa e por isso fiz algumas inimizades, mas, no geral, sou uma pessoa muito tranquila de conviver. Sempre faço questão de estar em todas as premiações para conhecer e aprofundar o meu relacionamento com os outros artistas, por exemplo. Hoje considero que tenho uma relação ótima com boa parte dos artistas que eu convivo. Outros nem tanto, mas aí não sou obrigada.
Sabemos que você teve um breve relacionamento com Emília, cantora argentina, que você colaborou em Mujer Bruja. Conte-nos um pouco mais sobre esse período de sua vida.
Bom, parte disso será mostrado no documentário foi lançado pela NETFLIX, mas será sempre um prazer falar do nosso relacionamento. Emília e eu nos conhecemos enquanto ela estava em um reality-show; fui convidada para cantar com ela e nos aproximamos de imediato. Tudo começou com uma amizade desinteressada, mas logo nós começamos a perceber uma a outra com uma olhar diferenciado. Foi uma paixonite súbita, se assim posso dizer. Nos amamos o quanto pudemos e, quando foi a hora, soubemos que era o momento para encerrarmos sem maiores prejuízos para nenhuma das duas. Esse foi um dos meus maiores medos dos últimos meses: eu sei ser julgada e já não me importo, mas e quanto a Emília? Ela estava - e ainda está - começando a sua carreira, tem muito a aprender. Eu poderia colocar tudo em risco, sabe? Mas essa menina tem uma potência que me surpreendeu. Ela, desde o início, tratou de tirar esses pensamentos negativos e me fez apaixonar-se ainda mais por essa menina mulher. Eu a amo demais e nós nos separamos por motivos pessoais, mas somos ainda muito amigas.
Hoje você se considera bissexual, certo? Como foi a descoberta?
Não só hoje, na verdade, mas desde que me conheci por gente já me sinto pertencente neste grupo. A descoberta veio de uma confusão mental enquanto criança: ao mesmo tempo que olhava para os shorts dos meninos à procura de algo, me sentia atraída pelos lábios das minhas colegas de turma. Imagina uma adolescente de quinze anos, explodindo de hormônio, em um cenário como este? Foi uma loucura total. Infelizmente, todos nós que vivemos e nos reconhecemos com uma orientação sexual que não seja heteronormativa somos levados à nos despir de nossas próprias vontades. Estou vivendo a minha adolescência hoje.
E como sua família e amigos receberam essa notícia?
Eu tive muito apoio da minha família, pois eles me auxiliaram bastante no processo de descoberta e aceitação. Sempre fomos muito bem resolvidos com sexualidade em casa. Meus pais têm um relacionamento aberto, então desde cedo já tinha noções sobre vivências diferentes. Meu pai é bissexual também, então ele foi uma referência para mim. Mamãe é uma estrela! Ela iluminou todos os meus caminhos, sempre me dando um sorriso sincero e abraços que confortam. Esse processo é muito difícil. Tantas coisas vêm à sua mente que a confusão se instaura facilmente.
Já com os meus amigos eu confesso que dividi pouca coisa relacionada a isso com eles. Por incrível que pareça, tinha mais abertura com meus pais. Não escondia dos meus amigos, mas nunca parei para conversar com eles sobre. Apenas vivia e todos nós nos respeitávamos.
O que te motivou a ser mais aberta a falar sobre sexualidade?
É uma pergunta interessante, sabe. Foi por mim, mas também não foi. Um dia, quando estava voltando do WATERBOMB [festival], uma garotinha de quinze anos me abordou no aeroporto e ao seu lado estava outra da mesma idade. Elas estavam de mãos dadas e eu parabenizei pelo namoro, elas me agradeceram e falaram que era a primeira vez que elas tiveram coragem de andar de mãos dadas em público. E disseram que muita da coragem veio das minhas músicas. E isso me tocou muito obviamente. Até que percebi que poderia eu mesma estar me podando. Eu quero ser tão corajosa quanto essas duas jovencitas. Se as músicas já davam essa coragem aos meus fãs, imagina se eu falar diretamente sobre?
Em algum momento você chegou a temer a reação do seu público?
Para ser bem sincera, sim. Eu sei que tenho uma rede de fãs engajados em causas sociais, mas, não é uma realidade que abarca a todes. Então, sim, temi que a minha orientação sexual afastasse alguns, mas parei e pensei que se alguém se ofende por isso, não faz sentido continuar sendo um fã meu. Essa sou eu e pronto. Tenho que me podar para agradar outrem? E principalmente quando estou me sentindo livre pela primeira vez em anos? Não! Me recuso a aceitar esse lugar de subserviência. Amo e agradeço a todes que até aqui me trouxeram, mas não permito que tomem conta da minha vida pessoal como se estivessem brincando com uma boneca. Para além da artista, há uma pessoa aqui dentro. Eu não sou uma máquina que reage sobre um "botão", que no caso seria a opinião de outros.
Atualmente você está em uma parceria com a Netflix para lançar um documentário e um filme. O documentário já foi lançado, então o que podemos esperar do filme?
O filme se chamará Pared Con Pared e será uma comédia romântica, com um pé no drama. Não esperem nada cult, é um filme daqueles para se assistir a qualquer momento do dia se você estiver para baixo. A premissa básica é a de uma jovem musicista que, após ser largada no altar por seu noivo, se muda para um prédio novo. Ela adora tocar piano, mas, no ambiente ao lado, há o seu vizinho: um homem amargurado, de humor duvidoso e que não aprecia a música dela. São dois corações que se aproximam pela dor, mas estão se repetindo a partir da música. Não atuei apenas, mas participei da construção do roteiro. Também estarei na trilha sonora com uma canção original. Eu acredito que todos irão adorar o que preparamos!
Por fim, gostaríamos que você deixasse uma mensagem para todos os seus fãs coreanos e asiáticos, em geral.
Gostaria de agradecer a toda essa comunidade que me acompanha e faz com que as músicas toquem em seus aplicativos de streaming. Eu os amo e espero que todes possam curtir tudo o que virá nos próximos meses. A turnê passará pela Coreia do Sule eu, junto ao BELLA, estamos preparando algo magnífico para celebrar essas novas parcerias, colaborações. Viajar pelo mundo é um dos meus maiores prazeres e dividir isso com vocês é um prazer. Mal posso esperar pelo nosso encontro.